Bóris,o cachorro
Era um cachorro dos mais vira-latas!Vivia nas ruas.Celeiro de pulgas!Marrom.Porte médio,cruza de raças.Orelhas dobradas,língua de fora.Ofegante!embora nas ruas,nunca havia chamado minha atenção,até o dia em que resolveu,talvez atraído pelo meu olhar que cruzou sem ver o seu,me acompanhou até a parada distante do ônibus.
A manhã seguia fria,a pressa era necessária para não atrasar no trabalho.Ia alegre,balançando o rabo como um velho amigo,como fariam os amigos se amigos tivessem rabo!Ao cruzar a avenida falei simplesmente:
"-Volta prá casa!"Ele sentou na calçada."-Burro!"pensei.O ônibus chegava e a lembrança do cachorro sumia no caminho até o trabalho.No final da tarde,ao voltar para casa,quem me esperava na calçada?O cachorro!!Fiquei besta... mandei ele para casa e o danado sabia meu endereço!Lá estava ele e seu rabo,abanando novamente para mim!Na frente de minha casa existe um degrau ,na entrada da porta da frente,direto na calçada,como era costume em casas antigas.
Dias se passaram e o degrau passou a ser o lugar preferido do cachorro.Estava sempre ali!Dormia ali,latia para as pessoas que ele não ia com a cara...Me esperava,me abanava o rabo,sorria para mim todas as manhãs e nos finais de tarde.
"-Quem trouxe este cachorro?Não quero bicho em casa!"Minha mãe reclamava,meu irmão xingava junto,e o cachorro continuava ali,na calçada!Adotou com o tempo,toda a família,seguia indiscriminadamente todo o mundo.Seguia MESMO:entrava no supermercado,no açouque,na padaria!
"-Não permitimos animais!Por favor,o dono leve o cachorro para fora!"Não adiantava dizer que o cachorro era do mundo...ele sabia que dele falavam e,sem vergonha,causava o maior constrangimento ao se esfregar,de maneira despudorada,nas pernas de quem ele havia seguido!
-"Sai,cachorro!Juro que não é meu..."Não adiantava!Na medida em que nos acompanhava,senti a necessidade de batizar o cachorro.Por cachorro ele se bestiava,se fazia de desentendido,tipo pode ser qualquer outro...então,me veio "Bóris Zaidan"!Me bateu bonito!
Era o nome de um personagem de novela da Globo.Combinava!O Bóris da novela era calvo e orelhudo,como o cachorro!Divulguei o nome novo para a família e as crianças gritaram o nome dele pela primeira vez:"Bóris!"E ele atendeu!Bicho esperto!Gostou!
Bóris ficou muito conhecido pelo povo da rua.Íntimo.Já ganhava comida escondido de todos,até dos vizinhos,já que continuava na frente da casa...Quando veio o inverno,minha irmã e eu nos compadecemos do Bóris.Escondidas,colocávamos o cachorro pra dentro de casa,na garagem,numa caminha improvisada de jornais.Ali ele dormia tranquilo,até de manhã,quando era expulso pela minha mãe:
-"Não quero bicho em casa,vocês trouxeram ele de novo"!Não havia como esconder a evidência do crime:Bóris fedia demais!!Empesteava a garagem com cheiro de pelo molhado!O jornal amassado e sujo ,denunciava sua presença noturna.Tudo o que minha mãe mais queria era distância do cão,embora até gostasse dele e também desse comida para ele,escondido da gente para não perder a moral....
Certo dia,naquele inverno,minha mãe recebeu uma velha amiga.Senhora idosa,agasalhada em um casacão de pele marrom,daquela.Tomaram chá.A tarde correu mais rápida que as fofocas postas em dia,e a noitinha se anunciava.Trovejou,minha mãe,pensando que ia chover,saiu para recolher as várias roupas que tinha estendido no varal.A amiga,no escurecer,se dirigiu para a sala da frente,procurando acender alguma luz.Encontrou um buraco,desnível na sala,perdeu o equilíbrio.Caiu estatelada na escuridão.Começou a gemer:
-"Uiii!Uiiii!"Minha mãe voltava do pátio,colocou as roupas na cama e,ouvindo os gemidos,foi-se pela sala afora,sem acender as luzes,confiando na memória.
-"Ui!!Uiiiiii!"ouviu...vinha do chão!Minha mãe não teve dúvidas:saiu no chute!!
-"Toma!!Cachorro miserável,dentro de casa?Nem pensar,passa fora,Bóris!!"
"Aiii!-gritou a voz do chão-"Azaléia não me chuta que sou eu!"Minha mãe estava caindo a amiga de pontapés,pensando que era o Bóris!Sorte que eram chutes fraquinhos...
-"Desculpe,amiga!Achei que eras o cachorro...só vi uma coisa amontoada,marrom enroladinha,teu casaco no escurinho,era igualzinho ao pêlo dele!"
As gargalhadas ainda ecoavam na casa quando chegamos e elas relataram o fato.Ainda são muito amigas apesar dos pontapés!Quanto ao Bóris?Escapou dos chutes da minha mãe,que agora pensa duas vezes antes de bancar o Van Damme, e viveu muitooo e bem!Uma vizinha o adotou realmente,seus últimos dias foram de muita ração e amor.Quando saia da casa dela,ainda dava uma paradinha rápida no degrau da frente de casa,talvez relembrando bons momentos,afirmando que ali era seu território."Queira ou não queira,Dona Azaléia"!