O "encantado" de Vicente
Popularmente, aqui no Maranhão, as entidades que se incorporam em terreiros de umbandas são chamadas de “encantados” e os filhos-de-santo que as recebem, são os seus “cavalos”.
Dois sentimentos da minha mãe eram públicos e notórios: sua aversão a bebidas alcoólicas devido ao seu sofrimento com o alcoolismo do meu finado pai, e a sua fanática credulidade a respeito de “encantados” e similares.
Aconteceu que o meu irmão Vicente tomou “umas e outras” e veio para casa mais pra lá do que pra cá. Sabendo que a nossa mãe iria abrir um pau por vê-lo assim, fingiu estar incorporando um “encantado”. Quando bati os olhos no cabra, saquei a sua esperteza: se havia ali um” encantado”, com certeza era o “Caboclo Pé de Cana”. Mas, apesar do odor de cachaça que exalava dele, a nossa mãe acreditou na presepada e entabulou animada conversa com o “encantado”.
Daí a instantes, ocorreu um curto-circuito, com estalo, faíscas e tudo. Então, o “encantado” de Vicente arregalou os olhos, deu um enorme salto e num abrir e fechar de olhos pôs-se a salvo na rua, abandonando de imediato o seu “cavalo”.
Quando tudo serenou, eu perguntei para a velha:
- Mãe, encantado não é um ser do outro mundo, uma pessoa que já morreu?
- Com certeza! Por que perguntas?
- Então, mãe, por que o “encantado” de Vicente ficou com medo de morrer?
Mamãe me olhou feio:
- Sabes qual é o teu mal? É que tu debochas de tudo. Sai de perto de mim com as tuas palhaçadas, senão te meto o cacete, engraçadinho!