Mulher pelada - 2ª Edição
Acabo de voltar da rua e parei aqui para relatar um fato inusitado do qual fui vítima. Saí para ir à farmácia, aproveitei para caminhar e desarticular as juntas do corpo, deixei o carro em lugar apropriado ainda distante do meu destino e fui tranquilamente pelo pavimento onde a maioria das lojas estavam de portas arriadas com uma ou outra aberta no atendimento aos clientes. Eram por volta de sete horas da noite e a iluminação fraca da rua não ajudava muito naquele trecho que eu percorria.
Eu andava distraído verificando detalhes nos carros estacionados à minha direita rente ao meio fio, vários, um atrás do outro, quando, de repente, aprumei o olhar e avistei um grupo de pessoas vindo em minha direção. Simultaneamente reparei numa mulher em pé com turbante na cabeça e o rosto virado na direção oposta. Ela estava mais perto na calçada de frente para a rua sob a meia-luz do lado esquerdo, completamente nua e tão descontraída que até fazia pose, com o dorso das mãos apoiados na cintura.
Aquela despudorada me surpreendeu com sua má conduta. Não me lembro de ter piscado os olhos para limpar a vista, mas asseguro que levei um susto. Pressenti que havia uma senhora ao meu lado, observando-me passar, diminui o ritmo da caminhada e lhe falei em tom de denúncia: - Dona, veja ali uma mulher sem roupa. E ainda faz pose!
Como a pessoa a quem me dirigi não esboçou reação, nem falou nada, sequer um "oi" de cumprimento, fiquei confuso, interrompi o passo e fitei seus olhos azuis. Por pouco não caí sentado, ao perceber que se tratava de um manequim. Naquele lugar todos eram manequins. Não parece coisa de doido?!
Neste ponto eu já estava próximo da drogaria e caminhava em frente a uma loja de roupas com alguns bonecos em tamanho natural. Os proprietários usam a estratégia de colocá-los como sentinelas na entrada, encostando-os às paredes laterais a partir do batente da porta. Já os funcionários capricham de tal maneira nos trajes e na aparência de cada um que, no final, eles ficam com aspecto de gente comum, impossível ignorá-los ao passar diante do estabelecimento.
De volta da farmácia trazendo os medicamentos dentro de uma sacola de plástico venho eu bem à vontade; ao contornar a esquina, logo notei, por causa da luz acesa, que o comércio de roupas era o único negócio ainda em funcionamento naquele trecho da via. Na frente, do lado de fora, duas mulheres conversavam naturalmente.
Aproximei-me das duas e falei o seguinte: - Desculpe interromper o bate-papo de vocês, alguma das senhoras é a dona dessa loja?
- Sim, sou eu. A que estava de mãos livres e de costas para o estabelecimento respondeu.
- A senhora acredita que eu levei um baita susto agora há pouco ao passar por aqui?
Ela me fitou o rosto fazendo cara de que não entendeu, por esse motivo decidi explicar tim-tim por tim-tim: - Eu vinha de lá para cá e ao me achegar aqui da sua loja fui surpreendido por aquela sem-vergonha às suas costas. Apontei para o boneco, e ela teve que volver o corpo para conferir. Deliberadamente chamei a atenção da comerciante para a condição da moça: - Repare na atitude escandalosa dela, inteiramente despida, a não ser por um sutiã ou algo parecido, e com modos de abusada, toda depilada e ainda fazendo pose.
- Mas aquilo é um manequim! ela exclamou, e, incrédula, inquiriu com um sorriso tímido: - É sério mesmo, o que o senhor nos conta?
- Quer dizer que a senhora não acredita?! perguntei, completamente estarrecido e de olhos arregalados. Porém, antes que ela retrucasse qualquer coisa adiantei o assunto: - Caminhando de passagem eu não a vi, porque estava atento aos automóveis no meio-fio. Todavia, senti a sua presença, ela observava o vai e vem dos transeuntes e me viu passar. Refiro-me à loira rechonchuda à esquerda. Apontei para esta, também, o que obrigou a empresária a se virar novamente. - Foi para ela, disse eu, já com uma ponta de ansiedade e o dedo em riste, que denunciei aquela depravada, pelada no meio da rua.
A dupla ria bastante durante a minha explicação, e eu, preocupado, só pensava delas soltarem gargalhadas e chamar a atenção por nada. Apesar do riso, a proprietária conseguiu balbuciar o seguinte: - Isto ocorreu de fato, ou o senhor está de brincadeira?
- Brincadeira! Mas minha senhora, eu só percebi que se tratava de manequins, porque a gordinha me ignorou e ficou calada.
Não prestou ter revelado este detalhe, assim que eu delatei os modos mal-educados da obesa, as duas não suportaram a vontade e soltaram uma risada forte, parecendo até que estavam combinadas. Agoniado com a desconfiança delas, tive ânsia de sair daquela situação o quanto antes, pois já começava a suar frio. Esperei um instante até que elas se recuperassem para me ouvir e, logo em seguida, completei o que ainda restava da história, disse: - Admirado por ela não querer falar comigo, parei para tomar satisfação, óbvio, e entender o porquê de tamanha indiferença. De propósito mirei a cara dela bem de perto, e foi aí que eu pude constatar que seus olhos azuis não eram de verdade, foram desenhados e pintados. Você consegue imaginar o espanto e a decepção? NÃO!!!
Sob intenso ataque de riso, com o corpo dobrado e as mãos entre as pernas a dona não conseguiu me responder, muito mal balançou a cabeça negando os fatos.
- Caraca!!! De doer, né não! Extravasei, sim, perante a minha enorme frustração.
Só depois de superar a crise e retomar sua postura, a empresária foi capaz de declarar o seguinte: - Perdão! Já ouvi várias pessoas dizerem ter confundido meus bonecos com gente de verdade, mas agora, conversar com eles, o senhor é o primeiro.
Sem alternativa joguei a mão, como quem diz, deixa isso pra lá então, Valeu! Virei as costas e fui embora. Imagino que elas não tenham acreditado absolutamente que eu fora assombrado por aqueles manequins; uma pena! E desconfio que elas tenham continuado sorrindo, mas não garanto, por ter decidido de não olhar para trás.
Foi este o fato. Grato pela sua companhia leitor.