Belinha a sensitiva - A viúva

Uma mulher vestida de luto, com um chapéu negro adornado com uma pena de pavão, entra na casa da Sensitiva Belinha. Ela se senta diante da mesa, com olhos tristes.

Belinha: (sorrindo) Bem-vinda, senhora. Qual é o seu nome?

Viúva: (sussurrando) Eu me chamo Viúva.

Belinha: (surpresa) Só Viúva? Não tem outro nome? Eu perguntei o nome de batismo da senhora?

Viúva: (firme) Eu tenho um nome, mas quero que você me chame de Viúva!

Belinha: (curiosa) Entendo. O que a traz aqui dona, na minha mesa, hoje?

Viúva: (sussurrando) Meu marido morreu há um ano e não tem um só dia que eu não pense nele, eu invoco o seu espírito, mas não consigo vê-lo, isso me deixa muito aflita!

Belinha: (sorrindo) Como é que é, a senhora o quê? Eu não entendi, poderia me explicar melhor, dona?

Viúva: (revirando os olhos) Claro, eu faço alguns rituais como: acendo velas chamando pelo nome do meu falecido, preparo o seu prato predileto, o convidando para se sentar diante da mesa comigo, borrifo o seu perfume pela casa inteira, para que com isso atraia a sua presença!

Belinha: (embaralhando cartas) Bom a senhora sabe que não pode fazer isso não, é dona? Mas eu não estou aqui, para lhe julgar…

Viúva: (ríspida) Acho bom!

Belinha: (olhando de rabo de olho) Vamos ver, o que as cartas dizem sobre isso... (tira uma carta) Olha ai, eu não disse? Saiu o Juízo Final. Isso indica que você precisa aceitar o ciclo natural da vida.

Viúva: Que ciclo a senhora está falando?

Belinha: Ué, da morte do seu marido ele partiu dona! E a carta está dizendo que a senhora precisa superar!

Viúva: (com arrogância) Me chame de viúva, eu já pedi, por favor!

Belinha: (fechando o baralho) Escuta aqui ô dona até agora eu tô sendo educada com a senhora, mas não engrossa, não está me ouvindo? A senhora veio aqui, atrás de ajuda não veio? Então se tiver achando ruim eu devolvo o seu dinheiro e a senhora pode ir embora, porque eu não vou ficar aqui, perdendo nem meu tempo nem o seu, tá bom?

Viúva: (desesperada) Me desculpe, eu me descontrolei, a verdade é que eu não aceito a partida de meu marido Onofre, ele foi o grande amor da minha vida! Eu faço qualquer coisa para tê-lo de volta!

Belinha: (séria) Mas Viúva, é o que eu estava lhe explicando, isso é errado, não pode ficar chamando morto dentro de casa. Se um dia a senhora quiser fazer uma homenagem para o seu marido, vai no cemitério e acenda uma vela no cruzeiro, ou então em uma capela de uma igreja, mas não dentro de casa! Porque não é só o seu marido que fica vagando por aí, têm muitos espíritos obsessores e se um desses espíritos encostam na senhora acabam com a sua vida, compreende? E outra coisa: a senhora não foi feliz, com o seu Onofre em vida?

Viúva: (enxugando as lágrimas com o pano) Fui muito! Nunca mais vou encontrar outro homem igual a ele!

Belinha: Então dona, isso que eu estou falando: lembre sempre dos momentos bons e felizes que vocês tiveram juntos! No final é isso que conta, o que se leva da vida é isso: as boas lembranças!

Viúva:(abrindo a carteira.) A senhora pode não me ajudar, mas eu encontro quem me ajude! Eu ainda vou conseguir a proeza de trazer o meu marido de volta à vida! Tá aqui, o dinheiro da consulta, eu já ouvi o suficiente para mim, basta!

Belinha: (tragando a fumaça do cigarro.) Pode guardar seu dinheiro que eu ainda não fechei o meu oráculo, quando terminar a senhora me paga! O problema da senhora dona viúva, não é só obsessão pelo seu marido não, o seu problema tá na cabeça! A senhora precisa urgente, passar por um psiquiatra e eu nem preciso tirar as cartas para saber disso!

Viúva( furiosa, levantando da cadeira.) O quê? Você está me chamando de doida?

Belinha: Tô! Senta aí e abaixa a bola, que eu não terminei de falar!

Viúva:(sentando-se contrariada.) Que absurdo, vim ao lugar para receber boas notícias e sou chamada de louca, assim na cara dura!

Belinha: Ué, com a senhora tem que ser assim mesmo, tratamento de choque, com doido quer que eu fale como? E é doida mesmo, doida de pedra! E se quiser pode me processar que eu não tô nem aí, e outra eu já vou logo avisando: se processar vai processar à toa, porque eu não vou ter dinheiro para pagar mesmo! Então a senhora que me escute calada porque senão eu vou resolver o seu problema de saudade do seu marido rapidinho, com um tapa eu faço a senhora fazer a passagem lá para o "além" para ficar juntinho, com seu marido!

Viúva: Me desculpe a senhora me vê um copo d'água?

Belinha: Água não, mas tem vinho serve?

Viúva: Nossa, mas tem tanto tempo que eu não bebo, eu sou fraca para bebida!

Belinha: (colocando vinho em uma taça e dando na mão da viúva.) Vai mulher deixa de frescura, às vezes é melhor gastar com isso do que com remédio!

Viúva( bebendo todo o vinho em um engole, só.) Obrigada!

Belinha: (rindo.) Para quem não bebia faz tempo, tava com sede né, bichinha?

Viúva: O vinho me traz o fogo da vida!

Belinha: Quer mais?

Viúva: Quero, por favor!

Belinha: (servindo mais vinho na taça da viúva.) É, mas depois me traz uma garrafa, hein? Na próxima consulta! E vê se bebe devagar, para não ficar de fogo e não ficar agarrando os outros na rua pensando que é o teu marido!

Viúva: ( segurado a taça.) Eu sinto fogo! Um fogo que eu só tinha com Onofre!

Belinha: Então continue só sentindo por ele!

Viúva:(sorrindo) É como se eu tivesse vendo ele bem aí, atrás da senhora … lindo como sempre foi!

Belinha: Nossa, mas já tá vendo ele aqui, só com duas tacinhas de vinho? Bem que você falou, que era fraca mesmo…

Viúva:( tirando blazer preto.) Eu sinto um fogo, bem aqui debaixo do vestido, que vai subindo pelas minhas pernas e passando pelo meu pescoço, eu não posso aguentar!

Belinha:(guardando o baralho.) Bom então nesse caso, agora a nossa consulta acabou, porque por hoje para mim, já chega! Eu vou descansar e amanhã eu continuo atendendo, passar bem viúva!

Sandro silva
Enviado por Sandro silva em 05/11/2024
Reeditado em 08/11/2024
Código do texto: T8189781
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