Belinha a sensitiva - Doutor Peruca
Clodoaldo, um homem desengonçado de meia-idade, entra no apartamento da Sensitiva Belinha, em São Paulo. Ela é uma mulher branca, com cabelos encaracolados loiros, usando um turbante colorido e elegante.
Clodoaldo: (ansioso) Sensitiva Belinha, preciso da sua ajuda. Vem espíritos me perseguindo.
Sensitiva Belinha: (sorrindo) Ah, boa tarde, seu Clodoaldo! O que traz você aqui hoje?
Clodoaldo: (sentando-se) Boa tarde, como eu havia dito, não consigo mais lidar com esses espíritos que vejo diuturnamente. Eles me seguem por toda parte.
Sensitiva Belinha: (embaralhando as cartas) Vamos ver... (olha para Clodoaldo) Mas primeiro, me diga, o que você fez para merecer essa atenção desse povo?
Clodoaldo: (abre a boca para responder, mas sua dentadura cai em cima da mesa do jogo.)
Sensitiva Belinha: (surpresa) Ah, não! Eu não acredito nisso, meu pega essa dentadura e tira de cima da minha mesa, por favor?
Clodoaldo: (vermelho de vergonha) Ah, desculpe! Minha dentadura… nossa, que vergonha dona Belinha!
Sensitiva Belinha: (rindo) Não se preocupe, seu coisinha, já passou. Isso é apenas um sinal de que você precisa se cuidar.
De repente, a gata da Sensitiva Belinha salta da cadeira e voa na peruca de Clodoaldo, arrancando-a.
Clodoaldo: (careca, gritando) Minha peruca, diabos!
Sensitiva Belinha: (rindo) Hahaha! Parece que os espíritos não são os únicos que o estão perseguindo, a minha gata também devolve a peruca do seu Clodoaldo!
Clodoaldo: (vergonhoso) Isso é... isso é um desastre, olha parece até que fizeram despacho para mim!
Sensitiva Belinha: (séria) Não, calma homem, vamos ver primeiro, eu vou tirar as cartas para o senhor e a gente vai ver como resolver isso tá bom? Pensa que vai dar tudo certo!
Mas primeiro, vamos lidar com os espíritos que você vê. (tira cartas) Olha aqui, saiu O Imperador e o Oito de Espadas.
Clodoaldo: (dando de ombros) Tá mas o que significa isso daí, eu não entendo!
Sensitiva Belinha: Então isso indica que o senhor precisa de proteção e força. Que mal lhe pergunte seu coisinha, onde é que você trabalha?
Clodoaldo: Eu? No rabecão, digo no IML transportando corpos sou agente funerário!
Sensitiva Belinha: (tragando um cigarro) Ah tá, agora sim está explicado! Por isso que o senhor está vendo os defunto tudo!
O senhor usa algum tipo de proteção no seu trabalho?
Clodoaldo: Claro que faço! Quando a gente sai com o rabecão, para pegar os corpos eu ponho cinto de segurança, eu não sou louco!
Sensitiva Belinha: Não o senhor, não entendeu o que eu falei! Eu perguntei se o senhor usa algum tipo de proteção no seu servo? Tipo um contra egum, se o senhor tapa o umbigo com um esparadrapo, para quem fez a passagem e não aceitou não ficar sugando a energia do senhor!
Clodoaldo: Não eu nem saiba que isso existia!
Sensitiva Belinha: (coçando os olhos e abrindo a boca) Ué, como é que o senhor que trabalha ali, lidando com a energia da morte não se blinda, isso é muito perigoso, seu moço?
Clodoaldo: (rindo) Ah, mas comigo não têm tempo ruim, não Belinha!
Sensitiva Belinha: Ué como assim, para o senhor não tem tempo ruim, não entendi? O senhor tá aí, cheio de encosto, inclusive eles estão tentando me sugar, mas aqui eles não conseguem, por causa do meu povo que está ali firmado, me guardando e guardando minha casa!
Clodoaldo: Eu molho o bico o dia inteiro, com 51, Pitu, Corote, caninha!
Sensitiva Belinha: Ah, meu filho então desse jeito você vai ver mesmo, assombração, e cuidado para elas não querem “coisar” com o senhor, já que vai estar bebendo, mesmo, caixão e vela preta!
Clodoaldo: (franzido a testa) Não entendi, dona!
Sensitiva Belinha: Não, mas não é para entender mesmo! Bom seu Clodoaldo, mesmo assim eu vou passar um banho cigano para o senhor!
Clodoaldo: Mas pode tomar só dia de sábado?
Sensitiva Belinha: Como? Não entendi, o que o senhor, disse!
Clodoaldo: É que eu só tomo banho mesmo, só dia de sábado!
Sensitiva Belinha: Ah, então quer dizer que o senhor já está já quatro dias sem tomar banho? Sim, porque hoje é terça! Então eu por isso que os bicho ruim se identifica com o senhor, pelo mal cheiro!
Clodoaldo: (riu)
Sensitiva Belinha: Vamos fazer o seguinte, então: suspende o banho, o senhor têm mais alguma pergunta para o meu oráculo, seu coisinha?
Clodoaldo: Não, a senhora já contou minha vida toda!
Sensitiva Belinha: Então tá bom, paga a minha consulta, e boa sorte na sua vida!
Clodoaldo: Quanto é?
Sensitiva Belinha: (ela tapou o nariz com o dedo) Cento e cinquenta, adicionados pela insalubridade!
(Clodoaldo tirou a carteira do bolso do paletó empoeirado. E de repente saíram algumas baratas junto com o dinheiro)
Sensitiva Belinha: Aí, meu Deus, Próximo!