A promessa do vereador
Evitévio cumpriu a promessa. Durante a campanha eleitoral, ele jurou de pés juntos que, se fosse eleito vereador, daria uma nova roupagem ao bairro. No começo, seus amigos fizeram mil conjecturas que também serviam como desejos pessoais.
— Ele deve construir uma casa de rumba!
— Que nada! Está na cara que ele vai erguer uma academia de xadrez!
— Vocês não conhecem o amigo que têm! É óbvio que ele fará um zoológico de dinossauros!
— Que eu saiba, ele ficou de obter fundos para construir um condomínio de luxo: o Santíssimo Saints Gardens Residencial!
— Será que ele vai demolir a Padaria do Grudêncio?
— E por que raios ele seria louco a ponto de pulverizar minha padaria?
— Os pães de lá são grudentos, Grudêncio. Um desavisado pode confundi-los com chiclete salgado!
— Além disso, os sonhos são verdadeiros pesadelos! Outro dia, comprei um cujo recheio tinha aspecto de doce de leite, textura de bananada e sabor de chucrute queimado!
— Eu tenho uma dúvida! — comentou a vovozinha, antes de prosseguir. — Qual seria o sabor de um chucrute queimado?
— Horrível! Nem queira saber!
— Ah, tá. E o que é chucrute?
Enfim, o bafafá dos curiosos durou até o dia da inauguração do espaço prometido pelo (agora) Vereador Evitévio Vacilópio. Entretanto, o “ponto turístico”, se é que podemos chamar assim, deixou mais dúvidas do que certezas, uma vez que sua obra durou por inacreditáveis 20 dias. Nem no Japão um empreendimento consegue ser concluído tão depressa.
Quando o engenheiro afirmou que a obra havia terminado, os moradores locais ficaram com pulgas e carrapatos atrás da orelha.
— "Isso" é a nova paisagem?
— Ele aproveitou um terreno baldio para construir um vasto quadrado cercado por um muro baixo de concreto ruim?
— Não tem teto?
— Nem saída de emergência?
— Nem banheiro?
— Nem pista de dança?
— Nem cantinho da soneca?
— Nem mesa de sinuca?
— Nem tatame?
— Nem pronto socorro?
— Nem wi-fi?
— Nem espaço lounge?
— Nem playground?
— Nem churrasqueira?
— Nem piscina?
— Tudo o que posso afirmar é que a obra está concluída. E por ordem do vereador, só tiraremos aquela faixa preta no topo da entrada amanhã. Ela esconde a placa que mostra o nome do local - afirmou o engenheiro.
No dia da inauguração, teve bandinha de idosos, ninja capoeirista, animadoras de torcida com pompom, pipoqueiro, algodão doce, maçã do amor, palhaços, panfleteiros, forrozeiros de churrascaria e até cobertura de emissora de canal sem audiência. Todos bancados pelos cofres públicos, naturalmente. Ainda assim, os moradores locais estavam ansiosíssimos. Afinal, de que forma o bairro teria uma roupagem nova através de um grande terreno oco, cercado por um muro baixo, com um portão de ferro relativamente grande e uma bendita placa coberta?
Com a palavra, o vereador.
— Amigos, chegou a hora! Sou cria do bairro, conheço muitos de vocês desde a infância e sempre sonhei em dar um clima humanizado a esse bairro carente de referências. Por isso, é com muito carinho que peço para a equipe de obras tirar a faixa da placa para anunciar a...
Olhares atentos. Expectativa no ozônio. Corações acelerados. Vash! A faixa caiu e o vereador concluiu a fala, numa animação hollywoodiana de dar gosto.
—... inauguração do Cemitério Vai Tarde!!
Aplausos? Nenhum. Vaias? Também não. Dava até para ouvir o ranger do palanque onde estava o vereador. A estupefação coletiva era tamanha que ninguém sabia o que falar ou fazer. “Nasci pra ver a inauguração de um cemitério...”, pensou o padre local, num misto de ironia e incredulidade. “Só pode ser palhaçada”, pensou um palhaço, visivelmente desapontado.
O silêncio começou a incomodar o vereador que, suando frio e notando a animosidade unânime, decidiu fazer um convite, em princípio, nada amistoso.
— Quando as palavras somem, é sinal que a emoção tomou conta, né? E então, quem será o primeiro a...
Nesse instante, voou um legítimo sapato Vulcabrás 757 na direção do vereador, acertando em cheio a sua cabeça, derrubando-o do palanque. Apagado, ele não pode ouvir a frase do autor do golpe.
— Vai agourar o corno do seu pai! Ainda tenho muito a viver! — exclamou um velhinho, mais perto de São Pedro do que nunca.
Ele não sabia, mas a frase abruptamente interrompida seria: “E então, quem será o primeiro a conhecer o interior do cemitério?”
Por ironia do destino, foi Evitévio o primeiro a fazer valer o investimento da novidade.
Lá está ele, na sepultura número 001.