Jerry Bocchio e o Rapto de Batz – Capitulo VII: Tudo Vai Ficando Estranho
Já estávamos todos nós na sala de depoimentos: o Capitão Lester Gregade, Tom, Daniel Caezário, sua família, o advogado da família e eu. Ninguém falava nada, apenas observávamos o Capitão Gregade colocando o pen drive no computador e deixando o video pronto para mostrar. Quer dizer, quase todos, Daniel não esboçava reação.
Após vários cliques no mouse, o Capitão deixou o video no momento em que a senhora aparece para acudir Daniel. O Capitão Gregade virou o monitor para todos na mesa e disse:
– Muito bem, o vídeo esta no momento certo. Eu só preciso que Daniel me fale se reconhece a senhora do vídeo.
Ainda cabisbaixo, Daniel só disse:
– Ela mandou eu não falar.
Eita, como assim? Ela estava tentando se esconder da Polícia? Pra ter uma atitude dessas, só se for essa a explicação mesmo. Elisângela, a mãe de Daniel, interveio na conversa:
– Daniel, acho que já passou da hora de você falar quem era a mulher que foi te acudir na praça.
– Mas, mãe... ela disse que se eu falasse ia acontecer algo ruim comigo!
– Ela te ameaçou? Daniel, você subiu no carro de uma estranha que te ameaçou e não me disse nada?
Ela ameaçou o menino! Significa que tem coisa aí. O Capitão Gregade foi o próximo a falar:
– Daniel, pode falar agora. A Polícia está no caso agora.
Tão compreensivo quanto um robô, não? Mesmo com essa abordagem a lá atendimento eletrônico, Daniel seguiu falando que não. Além disso, ele se recusava firmemente a olhar para a imagem no monitor.
Haroldo, o pai de Daniel, por sua vez, ficava insistindo para que terminássemos. Ele dizia que estávamos pressionando demais Daniel.
Eu comecei a pensar na cena que estava vendo. Elisângela questionou Daniel sobre ele ter aceitado a carona de uma estranha. Só que Daniel pareceu sempre ser obediente à sua mãe, tanto é que nunca deixava de brincar no espaço sugerido por ela no Parque Campos Rosados. Então, eu perguntei, só por desencargo:
– Daniel, essa senhora era uma estranha mesmo ou você já conhecia ela?
Daniel ficou apreensivo, como se tivesse escondendo algo mesmo. Talvez fosse um indício de que eu estava no caminho certo. Então eu sugeri ao Capitão:
– Capitão, por que não rodamos o video para a senhora Elisângela mesmo? Vai que ela conhece a pessoa.
– Bom, não custa nada tentar. Você aceita, senhora Caezário?
– Pode ser.
O Capitão Gregade deu o play no vídeo, mesmo com os protestos de Haroldo. Aquilo já tinha passado dos limites. Elisângela olhou bem para a tela e, no momento em que a senhora se vira, no vídeo, Elisângela solta:
– A Dona Iolanda!
Dona Iolanda era a síndica do prédio onde a família morava. A Elisângela falou dela na primeira vez que falamos com eles. Eu tinha anotado no meu caderno que deveria falar com ela, mas devido a tudo o que foi acontecendo no caso, acabei não fazendo. Elisângela continuou:
– Bem a cara mesmo dessa mulher. Carrancuda, mal humorada. Aposto que ela pediu pra não ser citada porque fazer boas ações deve corroer a alma dela.
Bem, já deu pra perceber que a Elisângela não vai muito com a cara dela, né? Mas o motivo da Dona Iolanda ter feito tudo aquilo, com certeza, não era o sugerido pela Elisângela. E pelo visto, o Capitão Gregade também pensava assim:
– Talvez não, senhora Caezário, vamos precisar falar com ela. Por enquanto, vocês estão dispensados.
– Mas, Capitão, ela ameaçou o meu filho! Se vocês aparecerem lá, ela vai supor que o Daniel falou dela pra Polícia. E se ela resolver fazer algo?
– Não se preocupe com isso, senhora Caezário. Vou te passar algumas instruções quanto a isso.
Enquanto o Capitão ia conversando com a Família Caezário sobre os procedimentos para evitar alguma represália, eu tive um estalo:
– Capitão, acho melhor a gente deixar o senhor Haroldo por mais uns instantes.
– Eu? Por quê? Eu não fiz nada!
– Senhor Haroldo, o senhor me desculpe, mas o seu comportamento aqui na delegacia foi um pouco fora do normal. Eu sei que o senhor se preocupa com a sua família, mas aquilo foi exagerado.
– Eu preciso voltar pro trabalho, policial. O meu gerente não vai gostar de saber que eu fiz um depoimento na delegacia. Ainda mais num caso envolvendo assassinatos.
O Capitão Gregade já estava meio aborrecido com as tentativas de Haroldo de impedir o depoimento de Daniel. Mas, depois dessa última fala de Haroldo, aí que ele se encasquetou também:
– Senhor Caezário, quem te falou sobre assassinatos?
– Foi... o senhor, ué?
– Não, nós não estamos divulgando os detalhes do caso ainda. Bocchio e Mangalvo, foi algum de vocês que disse?
– Eu, não!
– Negativo!
O Tom fala assim mesmo perto do Capitão até hoje. O Capitão Gregade só deu a ordem:
– Bocchio e Mangalvo, preparem a sala. Senhor Caezário, vamos lhe fazer mais algumas perguntas.
Um pouco assustada com a situação, Elisângela saiu e levou Daniel com ela para fora da delegacia para ficarem esperando Haroldo. Haroldo continuou na sala, sentado à mesa, com a mão na testa, parecia que ele previa algo ruim vindo.
O advogado da família, que até então, não tinha falado nada, soltou um "comporte-se", meio discreto, para Haroldo. Após essa fala do advogado, Haroldo tirou a mão da testa e ficou sentado reto na cadeira.
Tom e eu fomos desconectando o computador e colocando no carrinho serviço. Tom levou o carrinho para fora da sala enquanto eu ia colocando mais duas cadeiras na mesa. Enquanto eu ia fazendo isso o advogado, Rubens Cobrelucci, ia cochichando no ouvido de Haroldo. Agora ele resolveu trabalhar, né? Ao ver a cena, o Capitão não aguentou:
– Está boa a conversa?
O advogado Rubens resolveu falar pela primeira vez:
– O senhor não tem o direito de caçoar do meu trabalho, sabia?
– Não estou caçoando. Só avisando que essa atitude repentina torna tudo muito suspeito.
– Suspeito de quê? Tem alguma acusação contra o meu cliente? Alguma prova?
Eis aí o tal "você não tem provas" ou similares. Quem já leu meus outros casos, sabe o que eu penso dessa frase. Porém, dessa vez, não tinha muito o que provar mesmo. O advogado continuou, de um modo meio arrogante:
– Vocês aqui não têm nada na sua investigação, não é mesmo? Estão tentando tirar alguma informação do meu cliente na base da intimidação?
O Capitão Gregade tem um certo tipo de casca contra esses advogados mais abusados. Ele não sai do sério tão fácil. E, nessa ocasião, não foi diferente:
– Eu só quero saber como o senhor Caezário ficou sabendo dos assassinatos, sendo que não estamos divulgando detalhes da investigação. Foi como eu falei anteriormente: nós só vamos fazer mais algumas perguntas.
– Todo mundo viu no jornal aqueles dois mortos!
O Capitão Gregade ia falar algo, mas eu, depois de ter terminado a minha parte na arrumação da sala, achei que precisava falar:
– Quais dois?
O advogado Rubens Cobrelucci, provavelmente, se tocou do ato falho que cometeu e que eu o percebi. Acontece que Haroldo apenas disse que o caso envolvia assassinatos, não disse de quantos ou quem. O que significa que ele sabia detalhes, sim. Depois dessa, o advogado Rubens só falou:
– Meu cliente se reserva ao direito de não falar.
Ah, como eu detesto advogados! Sempre que são pressionados, saem com essa. Parecem aquela coreana que enfrentou a Rafaela Silva no judô, nas Olimpíadas de 2024. A Rafaela chegava perto, a safada se jogava no chão fazendo aquela posição de falta de combatividade. E não tomou uma punição sequer.
Mas eu não estava afim de aceitar só isso. Eu tentei de novo:
– Escutem bem, senhores, vocês acabaram de mostrar que Haroldo possa saber mais detalhes sobre o caso...
– O senhor tem alguma acusação contra meu cliente, policial?
– Não, só que...
– Então, meu cliente se reserva ao direito de ficar em silêncio.
Foi um saco! E foi estranho ao mesmo tempo. Essa atitude de Haroldo e de seu advogado estavam muito suspeitas. Como não tinha mais o que tirar de lá, o Capitão Gregade acabou dispensando os dois também.
Nosso foco, então, era falar com a Dona Iolanda. Eu torcia para que ela colaborasse conosco.
Continua...