Seca

– Ah, dona Zuleica! Coitada da Lauriane…

– O que houve com ela, Helena?

– Está apaixonada.

– É. Isso é horrível.

– Não, dona Zuleica. É pior.

– Pior?? Ele é casado?

– Não. É pior!

– Pior que homem casado?

– Ele é padre.

– Eita! Padre!?

– Pois é. Coitada da Lauriane.

– Mas, como essa menina foi se apaixonar por um padre?

– Diz que ele é bonitão, assim, tipo o padre Fábio.

– Mesmo assim, Helena! É um padre.

– Ah, dona Zuleica… Na falta de homem que preste, que seja carinhoso e, principalmente, que ouça a gente, até padre em confessionário se torna opção.

– E ele, Helena?

– Ué, dona Zuleica! Ele reza, né!? É padre!

– Mas, ele sabe?

– Ela contou. Em confissão.

– E o que ele disse?

– Disse que também sente algo diferente por ela, que antes de ser padre ele é homem, fez uns elogios…

– Ué! Se ele também gosta dela, tá mais fácil que se fosse casado. É só largar a batina.

– Aí é que está, dona Zuleica. Ele não quer. Tem vocação. Disse que foi chamado ainda menino.

– E assim, morreu o assunto?

– Mais ou menos. Depois, ele disse a ela que os dois iam viver um amor platônico.

– E ela concordou? Ela sabe o que é amor platônico?

– Ele explicou a ela. Ela não soube explicar igual, mas disse que é mais ou menos assim: um quer muito beber da água do outro, mas os dois fingem que não têm sede.

– É uma boa explicação. E é claro que isso não vai dar certo por muito tempo, né?

– Aí é que está, dona Zuleica. Tem mais de dois anos que os dois estão nessa seca!

– Ai! Helena! Nem fala em seca, que a situação está feia. Não aguento mais esse tempo. Minha pele tá craquelando.

– Se fosse só a sua, tava bom. E essa fumaceira?

– Sim! Brasília tá pegando fogo. Aliás, o Brasil está em chamas. E muitas dessas queimadas são criminosas. Filmaram um cara ateando fogo no mato perto do Jardim Botânico e prenderam um que queimou a mata no Noroeste.

– Mas, o que é que esse povo tem na cabeça? É muita maldade!

– Eu acho que eles estão sendo pagos pra fazer isso. O desmatamento ilegal é difícil de disfarçar, então, os fazendeiros tacam fogo na mata. E fazem isso de forma coordenada, muitos incêndios ao mesmo tempo, para não dar tempo das autoridades investigarem as origens.

– Mas não tem fazendeiro aqui em Brasília.

– Aqui, eu já acho que é outra coisa. Já ouviu falar em terrorismo ambiental?

– Não.

– Os negacionistas do clima fazem esses ataques para pressionar contra medidas de proteção ao meio ambiente, que eles acham que atrapalham o agro e a extração do petróleo

– E eles não são punidos por isso?

– Aí é que está! Diante de tantos ataques, em tantos locais diferentes, as autoridades acabam sendo incapazes de identificar e punir os culpados.

– Eu não me conformo. Tadinhos dos bichinhos morrendo queimados. Tadinhos de nós respirando essa fumaça. Tomara chover logo pra ver se acaba essa seca.

– E a seca da Lauriane?

– Ai, dona Zuleica! Essa daí, só vai passar quando ela cansar de passar sede.

 


Texto publicado em minha coluna de hoje do Jornal Alô Brasília

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