Jerry Bocchio e o Rapto de Batz – Capitulo VI: Dúvidas e Mais Dúvidas
Tom e eu fomos o mais rápido possível para o Parque Campos Rosados falar com Elias. Agora, com o mandado na mão, vamos poder ter acesso à gravação do dia em que o cachorro Batz foi sequestrado e, enfim, saber quem era aquela senhora que acudiu o menino Daniel, o dono do cachorro. O problema que não contávamos – se bem que eu já contava um pouco – era a carência de Elias.
Elias passava todo o seu expediente sozinho na guarita do parque. Então, sempre que aparecia alguém pra falar com ele, ele dava um jeito de segurar a pessoa lá. Hoje eu até entendo o lado dele. Trabalho sozinho no meu escritório uma boa parte do expediente e isso já me deixa agoniado. Depois que eu conheci a Anne Gonzalo naquele caso do reality show, então... digo... deixa isso pra lá! Voltando para o caso, a reação de Elias quando nos viu chegando na guarita foi imediata:
– Tom e Jerry, a dupla de investigadores que tem nome de desenho!
Sim, foi daí que Tom pegou a ideia de chamar nós dois de "Tom e Jerry". Ele nunca tinha assistido o desenho, só foi na do Elias mesmo.
Minha reação foi só mostrar o mandado para ele e falar:
– Senhor Elias Santana, não temos tempo para conversas. Aqui está o mandado, solicite o vídeo para a empresa de segurança para levarmos à Polícia.
– Rapaz! Teve reviravolta no caso, é?
– Senhor Elias Santana, por favor!
– Calma, detetive! Eu vou pedir, sim! Só me fala o que aconteceu.
– Não estamos autorizados a falar.
– Teve assassinato?
Por que toda vez que a gente fala que não está autorizado a dar detalhes do caso, a outra pessoa já parte pra suposição de assassinato? E o pior é que dessa vez tinha.
Tom ficou um pouco irritado com a atitude de Elias e entrou na conversa:
– Senhor Elias Santana, faça logo o que tem que fazer ou vamos te enquadrar por obstrução da justiça!
– Eita! Tá bom, tá bom!
Elias foi até a sua cadeira resmungando:
– Policial é tudo igual mesmo! Uma hora, são baita amigos, depois, vão só com formalidades e ameaças.
Não sei de onde que o Elias tirou que queríamos ser amigos dele. Enfim... Elias ligou para a empresa de segurança, solicitou a gravação e depois que desligou o telefone, virou para nós e disse:
– Eles disseram que vai demorar uma hora e meia pra gravação ficar pronta. Enquanto isso, podem se sentar aí, pegar um café, bolachas... mesmo vocês estando tão carrancudos desse jeito, eu ainda sou gentil.
Eu acho até hoje que o Elias inventava esse tempo de espera só pra ficar conversando com a gente na guarita. Como não tínhamos muita opção, ficamos lá. Mandei uma mensagem para o Capitão Gregade falando que ia demorar e me sentei em uma das cadeiras. Elias, que estava com vontade de falar, continuou falando:
– Por isso que eu me dou melhor com detetives particulares. Eles não têm essa formalidade toda e esses protocolos todos, então, conversam mais amigavelmente.
Eu achei curioso esse negócio de detetive particular não ter protocolo. Eu tentei manter minha seriedade na hora, mas a minha reação à fala de Elias foi com uma pergunta que não escondia minha curiosidade:
– Humpf! Não tem protocolo, é?
Tom achou estranho. Me olhou com a mesma cara do rapaz que não estava entendendo algo no meme. Enquanto isso Elias continuou falando:
– Sim, isso mesmo! Vocês dois provavelmente estão aqui desse jeito porque aconteceu algo no caso que fez com que a Polícia tornasse ele oficial. Porque eu lembro que da outra vez vocês vieram aqui investigar sem a autorização, tanto é que nem ligaram pedindo um mandado. Agora aparecem com o mandado na mão.
Esse Elias é bom de suposição, hein? Talvez ficar vigiando crianças desenvolva essa habilidade. Afinal, sabe como as crianças são imprevisíveis, né? Ele continuou:
– Mas eu entendo essa carranca de vocês dois. O capitão, delegado ou sei-lá-o-quê não deixa vocês falarem por protocolos internos. Mas se fossem detetives particulares, teriam falado e eu até poderia ajudar.
Não, ele não poderia ajudar. Ele só queria um motivo pra interagir com pessoas. Mas essa informação de detetives particulares não precisarem seguir protocolos me deixou curioso. Foi nessa hora, meus amigos, que a semente da dúvida foi plantada em minha cabeça.
Depois da tal uma hora e meia, Elias salvou a gravação num pen drive e nos deu. Se despediu de nós como se fossemos colegas de sinuca de longa data e, aí sim, voltamos para a delegacia.
Durante o caminho de volta, na viatura, Tom dirigia meio ressabiado. Ele olhava para o caminho, mas me olhava de lado de vez em quando, como quem queria me dizer algo. Eu não aguentei tanto incômodo e falei eu mesmo:
– O que foi, Tom? Por que tá com essa cara?
– Nada... nada de mais. Eu só estranhei algo.
– Pode falar o que é.
– Essa história de detetive particular. Você não tá interessado não, né?
Quando seu parceiro vira seu amigo, é difícil esconder algo dele. Principalmente se ele for um investigador que nem você.
– Não, Tom! Eu só fiquei curioso com esse negócio de não seguir protocolos.
– Olha, Jerry! Você tá muito apegado com isso, viu? Regras também podem ser boas. Pelo que eu já vi do meu trabalho, se elas não existissem, muitos colegas nossos seriam extremamente abusivos. Aliás, alguns desses detetives particulares são assim também. Se não existirem limites, aí quem pode acabar cometendo os crimes somos nós.
Tom tinha um ponto que eu não tinha levado em consideração. Eu também já vi muitos colegas que se achavam justiceiros. Nem mesmo o Capitão Gregade tinha me falado sobre isso. Mas eu também achava meu argumento válido.
– É, eu sei, Tom. Só que, sei lá, e se estiverem pegando pesado demais nessas regras? Olha o nosso caso, por exemplo: por causa de uma regra besta, que não deixava que investigássemos oficialmente, o caso saiu do controle. Agora temos dois assassinatos em mãos pra investigar. Bom, três, né? A gente ainda não sabe o mandante do sequestro.
Tom continuou dirigindo e, depois de uma bufada, só me disse isso:
– Olha, Jerry: como seu amigo, eu só te digo para pensar muito bem antes de tomar uma decisão dessas na sua carreira. Do mesmo jeito que os detetives particulares não precisam seguir os protocolos da Polícia, eles também não têm a proteção e os benefícios.
Depois dessa fala de Tom, nós ficamos em silêncio pelo resto do caminho até a delegacia. Ele tinha outro ponto, isso colocou mais dúvidas na minha cabeça.
Quando chegamos à delegacia, fomos direto à sala do Capitão Gregade levar o pen drive com a gravação da câmera de segurança.
O Capitão Gregade pegou o pen drive e disse para nós o acompanharmos até a sala de depoimentos, onde já estariam Daniel, seus pais e o advogado da família. Bom, pelo menos deveriam estar lá, né? Porque assim que saímos da sala do Capitão, Haroldo Caezário, o pai de Daniel, interrompeu nosso caminho até a sala de depoimentos.
Haroldo não estava mais com o ar imponente que ele apresentou na primeira vez que falamos com ele. Muito pelo contrário, ele parecia bem apreensivo. Não veio mais falar com a voz do Batman, estava falando baixo:
– Olha, policiais... Vocês... vão insistir nessa investigação mesmo?
O Capitão, sim, respondeu de modo imponente:
– Vamos sim, senhor Caezário. Com licença.
Mais uma vez, Haroldo impediu a nossa passagem e falou quase num tom de súplica:
– Não precisa não! O meu filho já passou por bastante estresse nessa história toda. Era só um cachorro, pra que isso tudo?
O Capitão Gregade olhou Haroldo com mais firmeza.
– Senhor Caezário, por que toda essa comoção para tentar impedir o nosso trabalho?
– Não, Capitão! Nada! É que... o meu filho...
– Então sugiro que saia do nosso caminho para que possamos continuar.
O modo como o Capitão Gregade falou deixou Haroldo acusado. Ele, sem dizer mais nada, mas ainda com um semblante muito preocupado, liberou o caminho.
Eu percebi que Haroldo se comportava estava muito estranho. Eu entendia que talvez fosse mesmo a preocupação com a saúde mental do filho. O problema é que a atitude dele indicava algo além disso. Eu fiquei um pouco encucado com isso na hora.
Só que não tive muito tempo pra refletir isso na hora. Logo chegamos à sala de depoimentos. O Capitão Gregade abriu a porta e lá estavam Daniel Caezário, sua mãe e o advogado da família. Daniel parecia bem triste mesmo, afinal, se passaram poucos dias da morte de seu cachorro.
Também notei que Daniel não estava mais vestido como super herói. Sinceramente, eu estava confuso na hora. Se por um lado, Daniel saiu um pouco do mundo de fantasia, por outro, essa saída se deu por causa de algo trágico. Então, não dava pra saber se a conversa com ele seria mais fácil ou não. Além disso, também tinha a presença do advogado, que provavelmente ia tentar podar nosso trabalho.
Além disso, a conversa que tive com Tom no carro ainda ecoava na minha cabeça. O trabalho na Polícia que eu tinha não era do jeito que eu havia imaginado, mas Tom me deu um bom motivo do porquê desse excesso de protocolos.
Eram muitas dúvidas na minha cabeça. Eu esperava que a conversa com Daniel e sua família poderia sanar algumas.
Continua...