REPETECO
Costinha era um repórter muito esperto, criativo e visto pelos colegas como meio maluco, mas gozava da simpatia de todos na redação do Atalaia, jornal diário e matutino. Costinha era repórter policial, cobria todos os acontecimentos inerentes, assim como as badernas da zona de baixo meretrício da cidade, onde a violência ainda era pouca, o que limitava o noticiário praticamente às desordens, pequenos furtos e ainda mais raros acidentes de trânsito.
Naquele tempo a direção do jornal usava o sistema de produção para remunerar os repórteres. Cada um recebia uma pequena quantia e o restante de acordo com a produção da semana.
O jornal tamanho padrão tinha oito colunas por página. Assim, se a matéria produzida pelo repórter ganhasse o destaque correspondente a oito colunas, ele tinha quatro cruzeiros: se fosse dado quatro colunas de título seriam dois cruzeiros, e assim por diante. No final da semana o secretário de redação fazia o levantamento da produção de cada um, e o gerente pagava.
Uma terça-feira pela manhã, um cidadão muito irritado e muito grande também entrou pela redação com um exemplar do jornal na mão, apontando a página de polícia e perguntando aos berros: - Quero saber quem foi o filho da puta que escreveu isso aqui?
O editor do jornal, que tinha pouco mais de um metro e sessenta de altura, levantou da cadeira, e pediu ao cidadão que tivesse calma e explicasse o que estava acontecendo. E foi o que ele fez.
A notícia dizia que Lupicínio Marivaldo tinha tomado um porre na tarde do dia anterior e completamente descontrolado, havia quebrado a casa dele, o carro de pipocas que estava na frente, o vidro do carro que passava nas proximidades e acabara preso.
O editor leu a notícia pausadamente e depois perguntou ao homem que permanecia de pé, ameaçador, na frente da mesa. E travou o seguinte diálogo:
-O senhor se chama Lupicínio Marivaldo? Perguntou o editor.
- Sim senhor. Lupicínio Marivaldo Bomtempo.
- O senhor tomou um porre e ficou completamente descontrolado?
-Tomei e paguei com o meu dinheiro.
- O senhor quebrou os móveis da sua casa, o carro de pipocas, o vidro do automóvel que passava?
- Quebrei, porém, já ressarci o prejuízo.
- O senhor acabou preso pela polícia quando estava nas imediações do fato?
- Sim, senhor! - Respondeu o homem.
Aí o secretário já irritado tentou encerrar a discussão: - Ora bolas. Se o senhor tomou um porre, quebrou tudo o que tinha em casa, quebrou o carro de pipocas, o vidro do automóvel e foi preso, tudo do jeito que está escrito aqui no jornal, o que é que tem de errado com a notícia? - Quer reclamar de quê?
- Só tem uma coisa errada, seu baixinho, filho da puta. - disse o homem rangendo os dentes. - Isso tudo que está escrito aí aconteceu de verdade, mas aconteceu no ano passado. Algum filho de uma égua copiou tudo igual ao que saiu no jornal do ano passado, repetiram a noticia, ouviu cabra safado.
O secretário olhou de lado para a mesa do Costinha que àquela altura estava quase escondido pela máquina de escrever, e disse baixinho: - Mais tarde a gente se fala.
E tratou de pedir desculpas e prometer ao cidadão que o "equívoco" seria consertado.
Domínio público