Pirão e Sardinha

Algumas situações são quase impossíveis, de tão raras. Diferente do que acontece normalmente, dois amigos bebiam num bar por um motivo complicado. Um deles havia se divorciado há poucos dias e ainda estava afundado numa fossa profunda, digna de causar pena a um alienígena solteiro.

- Estou mais enrolado que espaguete no rodízio de massas, Vatapá. Minha vida estagnou!

- Não pira, Pirão! A Paella...

- Não diga o nome daquela vigarista!

- Tudo bem. A Quiche...

- Não tem um apelido melhor? "Quiche" é estranho. Tem sonoridade de espirro.

- Você quer a minha ajuda para sair desse atoleiro ou prefere palpitar na minha criatividade?

- Colabora, pô. Arruma um nome mais elegante, tal qual aquela..lindeza, tchutchuca, musa do...

- Olha a recaída! Não vai embolotar o juízo, Pirão!

- Sou culpado por amar demais e por cozinhar de menos!

- É, você consegue cozinhar pipoca e fritar gelatina. Mas esse foi o motivo pelo qual o casamento acabou?

- Não acabou, cara! Nada acaba!

- Balance essa garrafa de cerveja. Há três minutos, ela estava cheia. Agora, praticamente zerou. Tudo acaba. Até cerveja ruim.

- Não compare meu casamento a uma cerveja ruim, Vatapá.

- Vejamos: ambos dão dor de cabeça e causam arrependimento no fim.

- No papel de conselheiro, você é um excelente sommelier de sopa low carb. Quer saber, pague essa conta e beba sozinho! Vou sair!

- Do bar?

- Do bairro!

- Não exagere, cara.

- Você é insensível! Para piorar, nunca passou pelo meu perrengue! Não tem conhecimento de causa para palpitar sobre minha vida sentimental! Eu vou conversar com o coroa do balcão, Seu Mocotó! Ele sim pode me orientar a respeito das desventuras do amor! Seu Mocotó, o senhor pode...

Quando ele virou para abordar o quase conselheiro, seu olhar acertou numa figura magnífica. De imediato, houve um choque insofismável, um impacto insolúvel, um congraçamento neural que apagou todos os nêutrons da neurastenia que manipulavam ardilosamente a mente daquele pobre doidivanas.

Ele se encantou por uma morena. Uma linda morena de estatura mediana, cabelos longos, pele de café e corpo de ninfa fardada.

Tinha esse detalhe: ela era PM.

É isso mesmo. Policial militar. Pê eme.

Lembra das "situações são quase impossíveis"? Essa era uma. Você já viu alguém se apaixonar por um(a) policial? Você, ilustre amante das letras, já ficou in love por algum(a) oficial da lei?

Pirão ficou. E ficou doidinho.

- Eu preciso falar com aquela princesa.

- Calma, esfria o coração, Pirão! Não vá piorar o impiorável! Não seja maluco a ponto de puxar assunto com aquela moça!

- Que tem? Ela é mulher de carne e osso!

- Carne, osso, algemas e poder! Olha, em eu pensei que fosse falar isso, mas pegue meu celular e ligue para a Paella!

- Esquenta não, Vatapá. O destino acaba de me apresentar ao grande amor da minha vida!

- Isso não é local, nem hora de ficar sonhando! Estamos num bar! Bê á érre! Sinta o cheiro da cerveja! Veja o ambiente feio! Arrepie-se com aquele ovo rosa que foi cozido há uma semana!

- Eu só consigo enxergar aquela Afrodite perfumando o meu Olimpo!

- Afrodite? Daqui a pouco você vai confundir Confucio com Arquimedes!

- Eles nunca viram uma dama tão linda! Afrodite é pouco! Ela é uma versão melhorada e irretocável da Minerva!

- Me enerva ouvir tanta bobeira! Vamos sair daqui, você está bêbado! Chega de beber por...

Parecia vidência. Pirão deixou de beber por um motivo simples: naquele instante, houve um assalto no bar. Ninguém sabe se ou ladrões eram míopes ou loucos. Mas eles anunciaram o delito na presença da Minerva Afrodite e do seu parceiro. Ah, os revólveres da lei e dos lesos cuspiram para todos os lados. Sobrou até para Pirão, que foi baleado na barriga.

O pobre apaixonado ficou três semanas internado até que não resistiu e morreu.

Morreu de rir com as piadas contadas pelo Seu Mocotó, que também foi baleado e ficou no mesmo leito que o protagonista.

No dia da alta, Pirão teve que ser socorrido. A tal PM, de sobrenome Sardinha, foi visitá-lo. Responsável por chamar a ambulância depois do assalto, ela se engraçou por aquele sujeito.

No fim das contas, ninguém sabe se o destino dormiu no ponto ou se pesou a mão na dramaticidade. O fato é que Sardinha e Pirão, casal dos improváveis, segue junto.

Gurjão, Moqueca, Merluza, filhos do par, comprovam a união. E para completar, Ceviche e Tartar estão a caminho.

Barão do Subúrbio
Enviado por Barão do Subúrbio em 14/08/2024
Código do texto: T8129068
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