Retrato do pistoleiro quando velho

Jesse James Joyce era um autor vingativo: fazia injustiça com sua própria literatura. Mas muitas vezes sua escrita acabava se voltando contra ele mesmo, pois ninguém conseguia, lá no velho oeste irlandês onde ele vivia, entender o que ele escrevia.

Um dia, pretendendo assaltar um banco em Dublin, apontou o revólver para o bilhete que entregara ao rapaz do caixa, que em seguida, com certo esforço, conseguiu ler aquelas palavras distorcidas: “Isso é um asfalto, passe a grama para cá.” Asfalto, grama? Como assim, o caixa pensou.

Então ele disse ao velho pistoleiro que aquiles, ou ulisses, sei lá, era impossível, porque era um revólver, era um revólver, era um revólver. Disse três vezes, como naquele conhecido poema da rosa, de Gertrude Stein. Depois chamou o próximo cliente da fila, ignorando totalmente Jesse Joyce.

Resignado, plano frustrado por sua própria incompetência literária, pela estrada empoeirada, ainda não asfaltada e toda desgramada, Jesse Joyce voltou para Ìtaca de mãos vazias, decepcionado com mais um fracassado assalto às letras hipotecárias, imobiliárias e do agronegócio promissor.

Mas a vida prosseguia e de desgosto – ele que havia nascido em setembro –, o velho pistoleiro morreu aos 34 anos tentando roubar um dicionário numa livraria de Saint Joseph, Missouri, para onde havia se mudado após deixar a poeirenta Dublin.

Pouco tempo depois, por conta de seus antigos fracassos literários e bancários, Jesse James Joyce se tornou lenda. Seu malfadado bilhete para o caixa do banco irlandês virou literatura cult e passou a valer uma fortuna. Isso se for leiloado algum dia, o que ainda não aconteceu nem mesmo ficcionalmente.

Mas há esperança: o esperanto é o último que morre...

(ou, se preferir: Sed estas espero: Esperanto estas la lasta mortanta...)