Obra pronta
Mário e Sérgio, que não se viam há algum tempo, conversavam:
Mário: Você terminou o curso de Engenharia já faz uns sete anos, não foi?
Sérgio: Exatamente, e desde então não parei mais de trabalhar.
M: E se especializou em quê, exatamente?
S: Sou um engenheiro de obra pronta.
M: Engenheiro de obra pronta? Que estranho: o que é que você faz?
S: Nada, quase nada. Apenas critico as obras dos outros depois que elas ficam prontas ou são interrompidas por algum motivo.
M: Mas se não faz nada, apenas critica o trabalho dos outros, então também não deve ganhar muito, não é?
S: Isso é o que você pensa: tem gente me pagando muito bem.
M: Tem? Quem?
S: Políticos de um modo geral, prefeitos e governadores, especialmente.
M: E lhe pagam para fazer o quê, exatamente?
S: Para criticar as obras dos seus adversários políticos.
M: Trabalha também para o governo federal?
S: Não, eles têm um ministério próprio para difamar os adversários.
M: Você critica quais obras de engenharia em especial?
S: Pontes que levam do nada a lugar nenhum, elefantes brancos, como se diz por aí. Muito comuns no Brasil.
M: Então você está rico, porque tem obras da Copa do Mundo de 2014 que dez anos depois ainda se encontram inacabadas, consumindo dinheiro público muito além do que foi orçado inicialmente. E já eram superfaturadas então.
S: Pois é, meu amigo. Tem algumas obras públicas que jamais ficarão prontas, porque os elefantes têm muita fome, consomem muita grana e depois desaparecem na floresta do desperdício. Mesmo assim nosso país tem a maior manada de elefantes brancos do mundo.
M: Não sabia. E desde quando passamos a criá-los e mantê-los?
S: Desde sempre. Desde que a esquadra de Cabral chegou ao Brasil e foi rezada a primeira missa na Bahia, esta já um grande exemplo de desperdício de dinheiro público.
M: Como assim?
S: Aquele cenário todo, aquela enorme cruz montada para apenas uma missa, primeira e única, tudo aquilo nunca mais foi utilizado para nada, virou um elefante branco à primeira vista. E sabe o que mais?
M: O quê?
S: Todos aqueles indígenas que foram contratados para coadjuvar os portugueses, pensa que eles estavam ali apenas para ganhar miçangas, espelhinhos e santinhos? Que nada, ganharam muita terra demarcada depois, isso sim!
M: Caramba! Quer dizer então que a esbórnia toda já começou bem lá atrás, ainda por cima abençoada por Frei Henrique de Coimbra?
S: Que era de Coimbra, mas que não era Coimbra, era sim, Soares. Frei Henrique Soares, de Coimbra. Até isso estava errado e depois não querem saber de nossas críticas.
M: Pensando bem, minha professora do primário era uma historiadora de história pronta, ensinou a todos errado!
S: Exatamente. Você vê que eu não estou sozinho nesse negócio.
M: Não está mesmo: ponte que partiu!
S: Partiu e certamente caiu!