Deu zebra
Marcelo, o neto, liga para o doutor Friedrich, psiquiatra da família (sim, da família, porque ali ninguém batia muito bem das ideias mesmo), dizendo-lhe que o avô Anselmo estava transtornado, queria a todo custo embarcar imediatamente para a África. O idoso tinha colocado na cachola que era uma girafa e queria ir para o Quênia encontrar uma fêmea da espécie para acasalar.
Os medicamentos receitados pelo doutor não estavam mais fazendo tanto efeito, o neto prosseguia falando, a família também não tinha dinheiro disponível no momento para mandar o velhinho para um safári na savana africana e talvez lá ele pudesse ser devorado por um leão. Nem mesmo tinham fundos suficientes para mandá-lo para o Pantanal, mais próximo, uma viagem mais barata, onde, por sorte, ele pudesse ser atacado e devorado por uma onça-pintada ou um jacaré, quem sabe?
Isso daria certo conforto à família porque assim deixariam de gastar tempo e dinheiro com aquele estrupício que agora, aos oitenta anos, andava com a libido muito acesa e o bom senso totalmente apagado, palavras do neto do estrupício. Além do que, nenhum cômodo da casa comportava agora alguém com um pescoço tão comprido, então o velho estava dormindo no quintal mesmo e já havia devorado quase todo o pé de acácia da mãe, que tinha ficado puta da vida com isso. O que o doutor podia fazer por eles com urgência?
O psiquiatra então responde:
“Bem, Marcelo, antes de mais nada acho que vocês estão exagerando um tanto o problema, usando linguagem figurada para me impressionar, recurso que já empregaram antes para se livrar do senhor Anselmo, se não definitivamente, por uns tempos. No entanto, se tudo isso que você me relatou está ocorrendo de fato, como profissional experimentado e preparado que sou, não vejo outra solução para o momento senão dobrar a dose de toda a medicação receitada e amanhã mesmo, logo cedo, internar seu avô.”
“Aí na sua clínica mesmo, doutor Friedrich, como das outras vezes em que o velhote surtou?”
“Infelizmente aqui não vai ser possível, Marcelo. Todas as nossas jaulas estão ocupadas. Dessa vez acho melhor vocês tentarem uma vaga no zoológico mesmo.”
E assim seria feito. O problema da família do senhor Anselmo estaria resolvido logo na manhã seguinte. O zoológico da cidade estava mesmo necessitando urgentemente de uma zebra macho para acasalamento e reprodução.