A Língua Portuguesa e o falso estelionatário
A Língua Portuguesa e o falso estelionatário
Com a propagação de sites jornalísticos na rede mundial de computadores, alguns portais de notícias do interior da Paraíba têm se destacado tanto pela sua indiscutível importância e popularidade nas cidades e região como pelo total desprezo de seus editores à Língua Portuguesa.
É certo que a imperiosa necessidade da instantaneidade da notícia também tem contribuído para as atrocidades cometidas contra o idioma, inclusive em expressivas mídias nacionais.
Desse modo, não é incomum a ocorrência diária de verdadeiras “pérolas” ortográficas e gramaticais, levando à loucura os mais ferrenhos defensores e admiradores da língua pátria, e por outro lado fazendo a festa dos críticos leitores de plantão.
Embora o notável romancista paraibano, José de Lins do Rego, considere que "os grandes escritores têm a sua língua; os medíocres a sua gramática", deve-se admitir que o "último contador de história" da literatura, segundo Otto Maria Carpeaux, e imortal da Academia Brasileira de Letras, tem cacife de sobra para incorrer em pequenos desvios no vernáculo, em contraste com os simples mortais da contemporaneidade.
De volta ao assunto, constata-se que, em muitos desses sites, vírgulas, acentos e crases são considerados meros detalhes e não obedecem a nenhuma regra ortográfica e gramatical: simplesmente são distribuídos aleatoriamente nas frases e palavras, de acordo com a conveniência, oportunidade, discricionariedade ou entendimento do redator.
Há também casos bastante raros e interessantes de acentuação de termo na sílaba anterior às três últimas, como: ecônomico. Neste contexto, seria um vocábulo anteproparoxítono? Estaria o mundo às voltas com uma nova e dolorosa reforma ortográfica da Língua Portuguesa?
Certa vez, um dos sites apresentou uma relevante matéria de utilidade pública sobre atendimento médico em Sousa e nas cidades "circos vizinhas”. Por incrível de pareça, em pesquisa realizada no google, foi possível observar a existência de inacreditáveis 424 resultados para a expressão em comento, a maioria relacionada a matérias de jornais online. Como já dizia "o meu amigo Erasmo Carlos": "Antes mal-acompanhada do que só."
Outra reportagem política destacou em letras garrafais: “UPA da cidade deverá funcionar após "editoria", a pedido do prefeito.” A incomum palavra até existe, segundo o respeitado Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis, mas possui significado bem distinto de "auditoria".
Em outra ocasião, a matéria relata uma tragédia familiar, em que "um homem foi vitimado por uma potente descarga elétrica, ao tentar estalar uma bomba de água". Após deslizes como esses, nada mais sensato que solicitar ao redator a "estalação" de um programa de dicionário em seu computador, a fim de não mais repetir erros básicos de linguagem.
Há alguns anos, um chamativo texto jornalístico, na página principal do portal, prendeu a atenção de muitos curiosos: "Camião tomba em via pública da cidade de Sousa". A priori, percebe-se um erro grosseiro de grafia, uma vez que a palavra conhecida associada ao veículo de carga é "caminhão", com "nh". No entanto, o Dicionário Michaelis admite as duas grafias: "caminhão", de uso comum, e "camião", termo jamais usado antes e desconhecido pela imensa maioria dos amantes da língua. Portanto, o site é pioneiro no uso (correto) do vocábulo. Vivendo e aprendendo!
Mais recentemente, a cidade acordou e arregalou os olhos com o material divulgado: "Notícias publicadas por alguns Portais da Paraíba nesta quarta-feira (28), troucem trecho que se referiam decisão do STF que em tese impediam à candidatura a reeleição do Prefeito..."
Este é um caso a ser estudado, pois em apenas três linhas escritas o texto "trouce" pecados de vírgulas, crases, concordância verbal, coerência textual, palavras maiúsculas e grafia - este, sim, simplesmente horripilante!
De acordo com norma culta da Língua Portuguesa, o verbo concorda com o sujeito em número e pessoa. Logo, corrigindo a concordância verbal, a frase ficaria assim: "Notícias publicadas por alguns Portais da Paraíba [...] "trouceram" [...]." Agora sim, sintaxe perfeita, sem necessidade de nenhuma reparação.
Por outro lado, recorrendo à ferramenta de buscas google na internet, é possível notar erros grotescos cometidos em nível nacional, até mesmo pelo respeitadíssimo Grupo Globo de comunicação. Pasmen!
No dia 3 de maio de 2019, o Jornal Hoje apresentou em slide matéria sobre a "Apreenção de cocaína no MS", deixando todos os telespectadores "apreencivos" e perplexos. Já no dia 17 de setembro deste ano, o canal Globo News exibiu um gráfico com a taxa de "transmição" da Covid-19. Ainda bem que o canal não possui "transmição" aberta para o público em geral.
Durante a redação desta crônica, uma publicação do jornal O Globo, do dia 30 de outubro de 2020, causou estarrecimento em seus leitores mais atentos, deixando-os atônitos: "A saga do inventou da bebida mais popular do maranhão será narrada em documentário". Neste caso, O Globo "inventor" de confundir substantivo (inventor) com verbo (inventou), além de reduzir a importância do estado do maranhão (com "m" minúsculo).
Estas editorações mancharam o, até então impecável, "padrão Globo de jornalismo". Desvios dessa natureza na língua eram mais comuns em outros grupos de imprensa nacional, estadual e regional. Mas agora, até tu, Globo?
Não obstante, nenhuma publicação apresentou furo jornalístico semelhante a um episódio pitoresco ocorrido no Vale do Piancó paraibano, na área policial, com o vistoso título: “Falso estelionatário é preso acusado de aplicar golpe falso na cidade de Coremas” (sic).
Matéria impecável, do ponto de vista ortográfico, sem nenhum deslize de ortografia, gramática, concordância e regência verbal e nominal, sintaxe, etc...
No entanto, surge a pergunta que não que calar, a mãe de todos os questionamentos legais, doutrinários e jurisprudenciais:
- Ora, se o acusado não é verdadeiramente um estelionatário, uma vez que fora definido com um "falso estelionatário", e nem o golpe é de verdade, em que a publicação configurou o golpe como "falso", quais são os elementos probatórios que efetivamente podem assegurar a permanência do indivíduo na prisão? Não bastaria apenas ao suspeito apresentar o texto jornalístico na audiência de custódia para ser liberado imediatamente pela autoridade judiciária?
Certamente, esses complexos questionamentos devem ser respondidos por um conselho multidisciplinar, formado pelos mais renomados catedráticos da língua mãe, com os melhores juristas nacionais no âmbito do Direito Penal Brasileiro.
Deus, salve, literalmente, a Língua Portuguesa!