DIA DOS PAIS
DIA DOS PAIS
Naquele exato momento o relógio da matriz marcava 18 horas. Começava o vai-e-vem dos comerciários e o desfile das mocinhas.
No canto do salão, um senhor, bem trajado e sozinho numa mesa, sorvia calmamente cada gole da cerveja. Foi quando adentrou-se ao local um rapaz vestido de camiseta multicolorida, cabelos em desalinho, o qual, sem dizer uma única palavra, compartilhou daquela mesma mesa.
O senhor sorriu, demonstrando satisfação com a chegada do outro, e, com um gesto, chamou o garçom, solicitando-lhe mais um copo, momento em que o jovem anunciou que desejava uma Coca-Cola.
- Pela sua voz, notei que estava muito ansioso em falar comigo, Zeca. Seria saudade? Afinal, o nosso dia é sexta-feira, hoje é segunda.
- Que mané saudade, doutor. De homem, a gente, no máximo, sente falta; saudade é de mãe, de namorada - contra-argumentou o rapaz.
- Então o que é? Já sei. Viu alguma roupa numa vitrine e quer ganhá-la. Acertei?
- Nada disso, doutor. Vou direto ao assunto.
- Isso, fale logo. Vejo que está nervoso.
- É o seguinte. Sei que paga a faculdade para mim, os livros, roupas, paga o celular, mas estou precisando muito de uma moto.
- Uma moto Zeca? – admirou-se o homem.
- Calma. Vou explicar-lhe. O meu amigo Jurandir está apertado, precisando de dinheiro para pagar a faculdade. Ele vende a sua moto por um bom preço razoável, bem abaixo da tabela.
- Zeca, moto eu não lhe dou. Faço tudo por você, mas moto não. Está fora de cogitação.
Argumentou, decidido, o doutor.
- Poxa doutor, que grosseria! Não quer nem pensar no assunto pelo menos?
- Não. Já disse. Moto não dou.
- Tudo bem, coroa. Se é assim que você quer, que assim seja. Eu me viro. Passe bem - disse o jovem, levantando-se e indo embora.
O bem vestido profissional liberal pôs-se em pé, tentando fazer com que o rapaz retornasse, todavia sem êxito. Pagou a conta e também foi embora, com muita irritação.
Chegando em casa, o doutor tomou um banho demorado para acalmar-se, vestiu o pijama e acomodou-se na sua poltrona preferida. Ajeitou as almofadas e preparou-se para assistir ao telejornal, quando então percebeu Sabrina, sua filha adolescente, aproximar-se.
- Meu pai, preciso falar com o senhor.
- Fale, minha filha. Mas se for problema na escola, é melhor falar com a sua mãe.
- Não, meu pai. Já falei com a minha mãe. Agora é com o senhor – retrucou a garota, muito concisa.
- Pois bem. Diga.
- Amanhã é o dia dos pais, lembra-se? – perguntou Sabrina sorridente.
- Ah! Então é isso? – sorriu satisfeito o pai.
- Não é só isso, tem mais.
- Continue, filhinha.
- Combinei com a minha mãe e faremos um almoço para comemorar.
- Não precisa se preocupar, meu amorzinho – argumentou seu genitor.
- Além do mais, quero que o senhor conheça o meu namorado, o José Carlos. Ele virá almoçar conosco. Tudo bem?
- Você já está namorando, filha? Eu não sabia!
- É um rapaz que conheci há pouco. Estou gostando muito dele. Quero que a minha família também o conheça.
- Muito bem, minha filha. Traga o rapaz amanhã – concluiu o chefe da família.
Na hora do almoço, Sabrina, ansiosa, esperava pelo namorado. O seu pai, como sempre, ocupava a sua poltrona favorita, o irmão assistia a um programa de televisão e a mãe ultimava os preparativos na cozinha. Foi quando se ouviram batidas na porta.
A jovem foi atender.
- Como vai, Sabrina? – cumprimentou-a o namorado.
- Tudo bem, amor. Como você está lindo. Entre e venha conhecer os meus pais.
A primeira apresentação foi ao seu irmão Henrique, seguindo-se a sua mãe:
- Como vai, José Carlos. Muito prazer. - Filhinha, leve o seu namorado para conhecer o seu pai.
Ato seguinte, os dois jovens, chegavam por trás da poltrona do profissional liberal, quando então a sua filha chamou-lhe a atenção:
- Pai, veja aqui o José Carlos, meu namorado!
Ao ver o pai da moça, que se voltou para a sua direção, o rapaz assustou-se, o mesmo acontecendo com o outro.
O doutor, que acabara de ficar em pé, voltou a sentar-se, com as pernas inteiramente trêmulas e olhos arregalados. Notando o constrangimento do doutor, Zeca pediu para a moça um copo de água.
Em seguida, deu-lhe um beijinho de leve nos lábios e piscou-lhe um olho. Ela entendeu que o outro queria falar em particular com o senhor.
Uma vez a sós, o insuspeito chefe de família voltou-se em ira para o namorado da filha, todavia com cuidado para não levantar a voz: - Mas o que é isso, Zeca? Está me desafiando, garoto? – indagou-lhe o doutor.
- Nada disso, doutor. Nunca imaginei que Sabrina fosse sua filha.
- Acabe com esse namoro hoje mesmo, rapaz! Está me ouvindo?
- Virou machão agora, doutor? Deixou de ser franga?
- Me respeite, moleque! Eu acabo com você!
- Eu é que acabo com a sua pose de macho; conto tudo para sua filha, sua bicha enrustida!
- Vamos nos acalmar e resolver tudo isso sem briga. Você está levantando a voz – o doutor procurou pôr panos quentes no rumo da discussão dentro de sua própria casa.
- Assim é que se fala, doutorzinho.
- O que você quer para solucionar este problema, Zeca?
- Quero a moto que lhe pedi, e tudo continua como está e sempre foi.
- Você quer a moto e namorar a minha filha. Ademais eu continuo a bancar os seus estudos? – perguntou o doutor.
- Claro! Isto mesmo!
- Vou lhe comprar uma moto nova, mas serei o primeiro a andar na garupa, certo? –sorriu-lhe o doutor.
- Certo, doutor. Assim é que se resolve com inteligência!
Em seguida abraçaram-se. Sabrina vinha chegando com o copo de água e juntou-se, feliz, ao abraço. Assim contornada a situação, a namorada, já distante do pai e ainda aguardando o almoço, brincou com o rapaz:
- Você conquistou a fera, hein?
- Há muito tempo meu amor! Há muito tempo!