Nas trilhas do bom humor XXVI
De improviso
Meu pai contava o caso daquele agente de estação ferroviária que era muito rápido com as palavras... Meu pai aspeava o ‘rápido’, porque – ele dizia – o homem escrevia o que lhe vinha à telha e telegrafava. Ele entendia que assim é que se resolviam problemas, e seguia a vida com seus textos céleres, sem rascunhos, sem pensar muito antes. Era sua receita, que estava dando certo.
Meu pai ia se lembrando de situações, e as contava com muita satisfação e riso. Uma delícia! Chamava-se Expedito o personagem desses episódios.
Certa feita, Expedito ficou numa escala de folgas cujo horário era muito flexível, de sorte que o homem não tinha dia certo para trabalhar de dia ou de noite. Esperou um pouco e viu que a situação não se resolvia. Então meu pai, zeloso com as palavras, sugeriu que enviasse telegrama solicitando uma mudança.
– Por que você não pede uma providência? Porque não escreve para eles assim? – E meu pai deixou a sugestão de redação, que era encabeçada pelo assunto, que resumia: “Transtorno por horário instável’. E vinha depois um texto...
Mas Expedito leu, fez vistas moucas e mandou a sua mensagem, na qual se lia, na seção assunto: ‘Aporrinhação’. Meu pai riu-se e achou melhor não interferir; cada um sabe o que melhor lhe apraz e cada um é responsável pelo que faz...
Certa feita, Expedito, ao dormir (ele dormia na estação, num quartinho contíguo à agência), foi incomodado por uma perereca, que o acordou em meio a um sonho de sonhos realizados. Rápido, como sempre, ele levantou-se, pegou de uma vassoura e desferiu o golpe no anfíbio, que se livrou facilmente, mas deixou um estrago considerável: o cabo da vassoura atingiu fortemente o relógio de parede, que caiu e quebrou-se, talvez para sempre...
Era preciso comunicar o fato aos superiores, pois o relógio era do patrimônio público. Meu pai, pensou, pensou... Consultou o verbete ‘perereca’ e sugeriu para assunto a expressão ‘incidente com anfíbio’.
– O quê? Eles não vão saber o que é isso. E não têm essa paciência sua de ficar consultando dicionários – disse o Expedito, que foi para o aparelho de telégrafo e iniciou a mensagem com um ‘agressão pererecal’, na parte do assunto, aliás, sua especialidade.
Assim o Expedido ia em frente, trabalhando muito e produzindo suas peças. ‘Maquinista no mundo da lua’ foi assunto de um telegrama que comunicava o abalroamento de uma locomotiva com um trole, quieto, parado, já quase em desuso... E ele usou assim, referindo a quietude do trole em contraste com o açodamento do condutor da máquina. Vê o leitor que esse ‘açodamento’ não é dele?!
Houve um período em que a agência despachava uma quantidade excessiva de fumo para a região. O trabalho do agente era conferir tudo aquilo e providenciar o envio, tendo de escrever bem forte para a escrita atingir as cópias obtidas pelo papel carbono. Era uma luta. Dava até calo... Dias e dias, o Expedito laborava e, não aguentando mais, correu para o telégrafo e telegrafou ‘Fumo e mais fumo’ no assunto, fazendo seguir a mensagem: ‘Fumo entrando dia e noite. Um homem só não aguenta. Mandar reforço.’
Meu pai contava que o reforço chegou e que os superiores, pelo que ele soube, se divertiam muito com as mensagens descaprichadas do Expedito. Era melhor deixar o homem improvisar...