DOM AUGUSTO

Augusto, por ser um rapaz de compleição física avantajada, alinhado a uma completa falta de erudição, não sabendo ler nem escrever, ganhava a vida como cobrador, prestando serviço aos comerciantes de sua cidade.

Logo se destacou pela competência. Não havia conta perdida. Mau pagador com ele não tinha vez.

Certo fazendeiro, com uma conta vencida há mais de um ano, recebeu a visita daquele cobrador, o qual, ademais, tinha fama de valente. Este apresentou àquele a nota vencida, já caducando.

Um tanto sem graça, o homem destilou uma série de desculpas para, no final, pedir ao cobrador para voltar no outro dia, na hora do almoço.

Na outra data aprazada, o rapaz ali retornou, sendo atendido pela mulher, que lhe informou a ausência do marido.

Augusto esperou por um bom tempo e nada de o devedor aparecer. Notando que estava sendo enganado, o cobrador comprou na padaria da esquina, uma Coca-Cola de dois litros e um pão de sal tipo bisnaga. O pão foi recheado com salame. Apanhou em sua casa um Cd-Player, alguns CDs de Zeca Pagodinho -de quem era fã- e acampou na porta da residência do inadimplente.

O rapaz colocou o CD do sambista no mais alto volume, cantando ao mesmo tempo. Sua voz confundia-se com a do cantor.

A esposa do devedor ao ouvir o barulho, dirigiu-se para a porta, a fim de certificar-se do ocorrido.

Viu então Augusto recostado na mureta da casa, comendo o sanduíche e tomando o refrigerante. Os vizinhos estavam na porta indignados com o barulho que o cobrador fazia.

A mulher indagou ao rapaz:

-O que é isto? o que se passa rapaz?

- Estou esperando seu marido, dona – ele respondeu.

- Ele está viajando, está na fazenda.

- Não importa, eu espero ele voltar.

- Mas ele não tem dia certo para voltar.

- Ficarei aqui até ele voltar, já disse.

- O senhor quer desligar essa música? Olha o escândalo. Todos os vizinhos estão olhando.

- Desligarei assim que o seu marido pagar o que deve. Ficarei aqui na porta até ele resolver o nosso pequeno problema.

Pisando alto, a mulher retornou para o interior de sua residência, sem antes bater a porta com violência.

Instantes depois, o devedor chegou bastante ofegante. Chamou pelo cobrador, da porta do seu carro mesmo, e pagou-lhe sem maiores comentários.

Assim era a figura folclórica daquele personagem.

O rapaz, na sua função, destacava-se na cidade, porém, todo o dinheiro ganho era revertido em favor de garotas de programa, avulsas ou em cabarés.

Em tais lupanares reinava Dom Augustus Primeiro, para o deleite das meretrizes. Ele não fazia conta do que gastava. Atendia as damas da noite em todos os desejos, vestidos, sapatos, perfumes, etc.

Certo dia, o cobrador conheceu, em uma casa de tolerância, uma figura contumaz do local, de corpo ainda mostrando resquícios de uma beleza que definhava, loura oxigenada, já bastante carcomida pelo tempo, por quem se apaixonou perdidamente.

Com o rapaz totalmente escravizado ante suas estripulias sexuais, a loura conseguia facilmente tomar-lhe todo o dinheiro.

Assim, o cobrador entregava à amada todo o dinheiro ganho, em troca de poucos momentos de amor.

Para agradar à amante, Augusto construiu um barracão, registrando-o em nome da eleita.

Tal atitude, complementada com a vida desregrada que estava levando, revoltou a família do rapaz.

Diante disso, ajustaram um advogado para interditá-lo, evitando futuros e maiores prejuízos.

No dia da audiência, o juiz começou a conversar com Augusto. Fazia-lhe perguntas que este respondia corretamente, nada que indicasse algum pressuposto que viabilizasse a extrema atitude.

Em seguida, o julgador chamou o advogado de lado, e lhe disse: - Doutor, o rapaz aparenta normalidade. Nada vejo que justifique a medida requerida. Terei que indeferir o pedido.

De repente, o cobrador, com a voz grave que possuía, indagou ao juiz:

- Doutor juiz, quem o senhor acha que é mais rico: Xuxa ou Roberto Carlos? Ah, e o senhor acha a minha voz parecida com a do cantor José Augusto? No cabaré que eu vou, as mulheres falam bem da minha voz!...

O juiz, muito espantado com as perguntas que lhe foram dirigidas, voltou-se para o advogado e falou:

- Doutor acho que vamos rever o conceito a favor da interdição!

RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA
Enviado por RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA em 07/01/2008
Código do texto: T807570
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