Humor nordestino.

Este será um exercício de imaginação para o leitor.

Era madrugada quando acordei de um sonho bom. Apertado corri para o banheiro e dei vazão ao sofrimento que me atormentava. No caminho de volta para a cama desviei da rota e tomei um atalho para a cozinha, abri a geladeira e bebi dois copos d'água. Retornei para o quarto, deitado percebi que não conseguiria recuperar o sono tão facilmente, então peguei o celular com intuito de encontrar algo para me distrair; do jornal local, li várias manchetes, cansado por não achar notícia do meu interesse, fechei o Chrome e livrei-me do aparelho. De costas sobre o colchão eu olhava para o teto em plena escuridão da noite sem nada enxergar, fechei os olhos, tentei adormecer, não consegui, constatei que o sono arredio estava fazendo jogo duro comigo. Na minha reflexão, qualquer bobagem para descontrair valia mais do que ficar preso a pensamentos aleatórios, por isso apanhei de volta o smartphone e abri o YouTube. Já de algum tempo, lançaram neste aplicativo variada sequência de vídeos curtos que a gente assiste até não querer mais; dependendo do interesse de cada um, eles ajudam sim a relaxar. Depois de ter visto alguns deles, surgiu-me pela frente 'Os Cabas de Maceió' com um clipe chamado de "A saga dos três jumentos". Pelo nome do canal e o título do trabalho dos caras logo imaginei encontrar algo inusitado naquela animação, e como sou fã do humor nordestino, decidi conferir a coisa, só não esperava de me deparar com a esculhambação trágica que, de tão medonha, dei boas risadas, porque a história se mostra mesmo engraçada.

Farei uma transcrição por escrito, que não é fácil, para que você, leitor, entenda do que se trata, e se possível, que também se divirta.

Uma observação antes de começar:

A fala que segue, no diálogo, foi reproduzida tentando ser fiel as expressões do que dizem os personagens no vídeo.

De cara, ao iniciar a apresentação, vemos um local que lembra a caatinga nordestina com gravetos dourados e ressecados ao fundo e pequeno espaço coberto de grama verde à frente, surge então trepado na garupa de um pequeno jegue um vaqueiro com sotaque carregado queixando-se do animal teimoso que não obedece às suas ordens.

- Já começa a se enredá! ____ Peraí fi da... ____ Entraí rapá! (protestou ele contra o asno rebelde numa indisfarçável mostra de irritação).

Mas nessa hora, o burro chucro empacou diante do cercado. Completamente aborrecido, o sujeito arremessou o corpo à frente, feito um espasmo violento, para forçar o bicho a submeter-se ao seu comando mesmo não querendo; fez isso ligeiro, duas vezes seguidas, dizendo junto: - Vai, vai, e o asno indomável, por sua vez, reagiu as agreções zurrando obstinado com as patas aferradas ao chão e sem se mover do lugar. O senhor, mal-humorado, puxou a rédea do lado esquerdo e, sem parar de resmungar, obrigou o burro a girar uma volta completa sem se afastar do lugar, enquanto isso, chamou:

- Davi!

- Oi.

- Pega uma vara aí, homi. (suas frases eram assim, soltas, por causa da sua luta contra a teimosia do bicho) ____ Dê uma lapada aqui. ____ Pra ver se esse infeliz. ____ Num entra nesse colchete. ____ Aqui parece que tem um espírito da pedra cotó que ele parece não quer entrar.

- Que isso! (exclamou o jovem, talvez com intuito de acalmar a situação).

- Dê pra torar o pedaço! (ordenou o vaqueiro).

Feito a volta completa, duas vezes, o jumento empacou de novo na mesma posição anterior, de frente pro cercado. Dessa vez, o velho parou e aguardou o Davi acertar a requerida lapada.

- Mas pode dar mermo? (confirmou ainda o rapaz).

- Vai, desarrocha!

E o moço, possuído por algum espírito maligno - foi o que deixou transparecer -, aproximou-se numa passada ligeira com os braços esticados para o alto erguendo a vareta roliça com mais de metro e meio de comprimento e, sem dó nem piedade, num movimento ligeiro, fez cantar a chibata delgada num breve zoom sonoro e ameaçador até estalar a lapada desumana nas costas do vaqueiro; com a violência do açoite, pedaços da vara voaram pelos ares.

Alguém que provavelmente colaborava com a gravação desse vídeo, neste instante não se conteve diante do assombro causado por aquela agressão furiosa e deixou escapulir, num grito contido: - Misericórdia! ____ Meu Deus!

O pobre homem desceu do jegue afobado contorcendo o corpo agoniado e desabou sentado na grama aflito por massagear as costas dolorida. Falou pro Davi:

- Era no jumento, fi de rapariga! ____ Ô meu Deus! ____ Ô lapada do cão.

Davi ainda tentou consolar o “patrão”, esfregou a mão no seu ombro e alegou:

- Você num falou em qual foi, homi!

Desatrelado, o animal ameaçava fugir.

- O jumento vai-se embora, pegaí homi!

Deitado na grama, o coitado soltava estas expressões dolorosas:

- Ai! ____ Ui! ____ A fi de rapariga, burro! ____ É um jumento tangendo outro.

Levantou-se do chão ainda se contorcendo e gritou:

- Lapada do CÃO! ____ Ave Maria! (continuou ele a gemer).

- Você falou que era pra dar no jumento! (defendeu-se o rapaz).

- Eu pensei que o jumento era o que eu tava em cima. Mas é tu, infeliz!

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Parece forte? Mas não é, não!

Eu previ que fosse algo hilário, só não imaginava o quanto.

Ficou curioso? É fácil achar.

Abre o aplicativo YouTube e, em pesquisar, escreve: A saga dos três jumentos.

Dilucas e Os cabas de Maceió.
Enviado por Dilucas em 23/05/2024
Reeditado em 03/09/2024
Código do texto: T8069219
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