Saudades de Mamãe
– Helena, você viu minha calça bege?
– Desceu com o Fido.
– Minha calça bege??
– Não! O Juquinha!
– Que Juquinha?
– Seu filho, dona Zuleica. O mais velho, lembra?
– Helena! Eu sei quem é o Juquinha.
– Então?
– Por que o Juquinha entrou nesta história?
– Que Juquinha?
– Meu filho, Helena! O mais velho, lembra?
– Claro que lembro, né, dona Zuleica! Aquele menino me dá tanto trabalho!
– É pra vingar o trabalho que você me dá.
– Eu!?
– Xá pra lá! E então? Minha calça bege?
– Que calça bege?
– Ih, Helena! Onde é que você está com esta cabeça, menina?
– Piauí. Mamãe.
– Ah! Dia das mães taí… Bateu saudade, foi?
– Foi.
– Quando é que você vai lá?
– Queria ir agora, no feriado, mas já tô devendo hora. Tenho nem coragem de pedir.
– Muito bem!
– Mas, se eu tivesse coragem, eu pedia.
– Mas, Helena? Como é que você vai pro Piauí, e volta em quatro dias?
– Não! Ela vem pra casa do meu irmão, em Belzonte, no fim do mês.
– Ah, sim! Pena que você está devendo horas.
– Pois é! Que triste, né?
– É!
– Ai, ai! Tão velhinha!
– E minha calça bege?
– Ai, ai. A cabecinha branquinha…
– Helena!
– Anh!?
– Minha calça bege?
– Tá ali, pra passar.
– Puxa! Queria usar hoje.
– Passo ligeirinho, quer?
– Deixa! Do jeito que você está aérea, vai acabar queimando a coitada com o ferro. Vou com a marrom. Também combina com esta camisa verde.
– Verde combina com bege, sim…
– E marrom.
– Dona Zuleica?
– Eu?
– Qual é a cor da saudade?
– Como é?
– Se a saudade tivesse uma cor, qual seria?
– Ih, Helena! Nem ideia! De onde você tirou isso?
– Sei lá! Verde, marrom, bege… Só pensei.
– Bem que eu senti o cheiro.
– Cheiro?
– De você pensando.
– Hum!
– Ih! Já vi que o caso é sério! Eu estava brincando, Helena, era pra rir.
– Ah, dona Zuleica. Tô meio de banzo mesmo.
– Tô vendo. Olha só! Eu acho que a saudade tem todas as cores. Talvez em tons pasteis.
– Tons pasteis?
– Suaves. Como lembranças boas.
– É, deve ser isso. Mas, por que dói? Por que este aperto no peito?
– Acho que é porque não queremos cores pasteis das lembranças. Queremos as cores vívidas do real.
– Tendi.
– Helena?
– Oi, dona Zuleica?
– Você pode vir trabalhar neste sábado?
– Posso. Vai dar festa?
– Não, Helena. É que assim a gente fica quites.
– Quites?
– É. Eu também não gosto muito de cores pastéis! Vá lá ver a sua mãe em cores vívidas no feriado.
– Não acredito! Êêêêêêêêê!
– Pára, Helena! Pára! Beijo, não, Helena! Páááára!
Texto publicado em minha coluna de ontem do Alô Brasília
https://alo.com.br/saudades-de-mamae/