Comer ou não, eis a questão

Mais de quatro séculos atrás, Hamlet, o príncipe da Dinamarca (da peça homônima de Shakespeare) se preocupava com uma questão, "ser ou não ser", que em essência, resumidamente, tinha a ver com existir e não, morrer e viver. Como era um nobre, tinha tempo e condições para se dedicar aos problemas da consciência e outros relacionados à filosofia.

Há mais de noventa anos Noel Rosa e André Filho compuseram Filosofia (1933), uma pérola de nosso cancioneiro que se valia de uma metáfora musical para criticar a “atitude de indiferença diante das adversidades e da hipocrisia social”, como destacou alguém, agora não lembro quem.

A certa altura a letra de Filosofia dizia que a sociedade, a aristocracia, não se importava se ele, o personagem da canção, ia morrer de sede ou se ia morrer de fome. Pois os ricos alienados de então cultivariam não a filantropia, mas a hipocrisia, falando sempre mal do seu nome. Aí é que entrava a filosofia, que o ajudava a viver indiferente a isso tudo.

E hoje em dia, pobres e esfomeados contam com o auxílio luxuoso da filosofia? Como é que vai filosofar quem anda de barriga vazia? É mais importante encher a pança com comida ou a cabeça com ideias? Bem, enquanto a barriga estiver vazia a mente de um pobre esfomeado só vai pensar em padaria, pastelaria, churrascaria, pizzaria...

"Pensamento mais do que lógico esse, e lógica é um campo da filosofia, não é?"

"É, sim. Mas de volta a Shakespeare e Noel Rosa..."

"Ahn..."

"Muleque Raimundo!"

"Que foi, mãinha?"

"Para de falar no celular, vem logo cumê teu jiló antes que esfria e deixa de pensá nesses trem aí de filosofia que desse jeito tu vai acabar virando um abestalhado, isso sim!"

"Num pode, mãinha..."

"Podo sim!"