De Chico e de Chica
Achava-se impagável, o Chico Moreira. Fazendeiro setentão, aposentado, repartiu a propriedade com a filharada, e veio morar na cidade, onde além de sua Chiquinha, já tinha uma bem ajeitada casinha...cor verde, alpendre, jardinzinho frontal, e até uma cisterna no quintal. E o relógio de parede, com seu carrilhão, jamais visto, mas sempre ouvido, era a maior sensação...
Diferentemente do marido, dona Chiquinha raramente se expunha. Quando não era de vassoura à mão, era, arrumada no seu trajar severo, e ar grave, para ir à igreja. Já o Chico, sempre de pé, óculos escuros e não raro o chapéu, dava sopa no alpendre, espiando o movimento da rua, que aliás, naqueles anos dos sessenta era ainda um beco sem saída, de terra batida e uns matinhos renitentes onde menos pisava as gentes. E vizinhos dos Moreira, frontais, do lado de cima da rua, éramos nós, e nossa avó Inhana com sua filharada solteirona, já caminhando para a vida sexagenária...
Chico gostava das caçoadas, das piadinhas, frases de efeito e das tiradas espertas...e volta e meia, nos provocava, em perguntas ou enigmas que ninguém acertava:
- Quanto é de vinte cinco tira...?
- Repete aí, se for capaz...: paca, tatu, cutia não...
Numa de suas raras respostas às nossas indagações infantis, prenunciou - corretamente, aliás - que a candidatura a vereador de um pomposo Zé Redondo, contra-parente nosso iria naufragar redondamente. E não deu outra....
E se divertia o velhote, ainda sacudidão. Alguma vez ou outra, se demorava um pouco mais num causo, em que até Desafio, o cãozinho doméstico e ao mesmo tempo um tanto vadio, parecia se comprazer em ouvi-lo...Mas jamais respondia. E era a vida que seguia...