A negociação
No meio da reunião, o presidente da empresa entrou às pressas no toilette. Enquanto recorria ao mictório para aliviar a bexiga, ele desandou a conversar com alguém que estava trancado no banheiro.
- Os caras são difíceis, Alfredo!
Atrás da porta, o sujeito permaneceu sentado no vaso, mudo, visivelmente apreensivo, quase em pânico. Enquanto isso, o chefe prosseguiu.
- Gostou da minha jogada de mestre? Eles pediram nove por cento! Nove! Qualquer amador teria mordido a isca! Mas eu não! Tenho vinte anos de experiência! Sou rato velho!
O ouvinte sentado, trancado e calado era Leopoldino, amante de Marly, secretária executiva E esposa do presidente. Naquela manhã a mulher tinha endoidado de vez. Segundos antes da reunião começar, ela chamara Leopoldino para conversar na copa. Mentira pura. A mulher iniciou um ataque de beijos tórridos que deixou o amante atordoado. Se a copeira Clementina fosse um pouco mais ligeira no caminhar, teria dado flagrante.
Leopoldino correu para o banheiro por uma questão de sobrevivência: Marly estava descontrolada. Ninguém conseguia sossegar o facho daquela mulher vulcânica que além de tudo também era carente. Ou seja, ao confirmar o matrimônio, o presidente mal sabia que tinha levado para casa um misto de carvão em brasa com chiclete grudento.
Presidente que tinha saído segundos atrás, e retornou mais agitado que coelho perdido numa plantação de cenouras.
- Eles nos ofereceram três milhões de reais!! Alfredo, devo aceitar?
Tentando não dar uma de incomunicável, o outro esboçou uma resposta.
- Nõn.
- Claro, você está certo! Esse dinheiro é muito pouco! Vou falar com eles!
Dois minutos depois...
- Três milhões e meio!! Cara, eles pegam pesado! O que você acha?
- Nūwn.
- Concordo! A empresa vale muito mais! Agora, sua pronúncia espanhola está horrível, hein! Vou pedir pra Marly escolher outra escola para você!
- Ela nôhnm!
Mais dois minutos.
- Quatro e setecentos!! Golpe baixíssimo! Eles querem concluir a negociação antes do almoço! Você precisa participar da reunião, cara! Saia daí! Está com dor de barriga?
- Ãrrãn.
- Imaginei! Vou pedir pra Marly separar um remédio pra você! Sobre a proposta, o que faço?
- Níon. Rcxbwh.
- Por que não pensei nisso antes? Você está certíssimo! Mas sua pronúncia continua péssima. Melhor ficar por aí mesmo. Negociar com argentinos desse jeito seria piada! Deixa que eu me viro com o portunhol!
Cinco minutos depois...
- Alfredão!! Eles ofereceram cinco milhões e duzentos mil mais doze por cento de bonificação sobre o faturamento mensal! São tantos números que estou tonto! Sinto até o perfume da minha esposa saindo de onde você está, é mole? Preciso me acalmar! O futuro da empresa depende dessa negociação! O que faço? Concluo ou continuo negociando?
- Nwoin.
- Sério? Tem certeza?
- Blupt.
- Não entendi.
- Su ipôuza édoida.
- Fale pra fora, homem!!
- Pry...ozah.
- Sem dúvida! Bem observado! Vou falar com eles!
Em suma: entre idas e vindas ao banheiro, o presidente vendeu a empresa por uma dinheirama estupenda.
Beleza, mas e o tal do Alfredo real?
O irresponsável bebeu todas na noite anterior e só acordou ao meio-dia, uma hora depois do fim da reunião.
E Leopoldino?
O pobre coitado conseguiu sair do banheiro, sim, às seis da tarde, voltando para o setor de Contratos, onde ocupava o cargo de diretor. A demora tem justificativa: foi tanta tensão ao longo do dia que o infeliz teve uma tremenda dor de barriga, sendo incapaz de dar dez passos sem ter que recorrer ao troninho.
Pensa que acabou? Debilitado, Leopoldino desmaiou assim que chegou ao setor, fazendo com que os papéis presentes na sua mesa voassem pela janela aberta. Papéis que ficaram encharcados devido ao temporal que caía. Entre os encharcados estava o tal contrato recém-assinado.
Contrato que foi sumariamente cancelado pelos argentinos, irritados com a notícia de que o papel foi visto pela última vez perto da lixeira, mais precisamente na boca de uma ratazana.
Para onde foram parar os envolvidos?
Alfredo: virou falsificador de uísque.
Marly: virou panfleteira do curso de idiomas.
Presidente: está no manicômio.
Leopoldino: sem renda, virou vizinho da ratazana.