CÃO

Moro num condomínio de apartamentos. Durante as férias do trabalho, percebi que a vizinha do bloco da frente ouvia louvores de adoração diariamente. Embora não seja evangélico, a frequência e o volume das músicas não me incomodavam. Mas eu não conseguia parar de pensar que tanta adoração a Deus só poderia ser uma compensação por ela ter adotado aquele cão dos infernos que habita sua casa. O poodle encardido, provavelmente porque não deixa ninguém lhe dar banho, late para, absolutamente, tudo! Se alguém lá embaixo entra ou sai do carro, ele late! Se eu abro a cortina da minha varanda e ele me vê sentado no sofá da sala, ele late! Se uma mosca, um fantasma, um vento, um alienígena passa em outra galáxia, ele late! A vizinha nunca lhe chama a atenção. Chego a pensar que ela, de tanto ouvir música alta, está perdendo a audição. Ou talvez, latido de cachorro seja como pum: você só aguenta o seu. Antes de alguém me acusar de estar ofendendo o bichinho, quero deixar claro que amo os animais. Principalmente os cães e os gatos. Inclusive, tenho uma gata, Lurdes, que também não é flor que se cheire. Esses dias, cheguei tarde da faculdade, abri a varanda pra arejar a mente e a sala e lá foi ela miar para provocar o poodle da pá virada que já acordou latindo. Imediatamente, recolhi a gata, fechei as cortinas e apaguei as luzes, o que não adiantou nada porque o cão latiu ainda mais. Desliguei a TV, fui para o quarto e tentei dormir, mas o latido não deixava. Peguei o celular, coloquei o fone de ouvido e cliquei na minha playlist. Começou a tocar um louvor. “Que estranho! Tenho certeza que não baixei essa música!”. Tirei o fone e o latido continuava, mais alto. Recoloquei o fone e mudei de música. Tocou “Eu não largo o osso”, música da abertura da TV Colosso, cantada pelas Paquitas. Outra música que eu não havia baixado. “Não é possível! Isso só pode ser praga daquele demônio!” Levantei, fui até a sala, abri a varanda e encarei aquele cão. Misteriosamente, ele se calou. E mesmo no escuro e distante, tive a impressão de que ele sorriu com sarcasmo para mim. No dia seguinte, acordei no sofá. E até hoje, não sei se sonhei ou desmaiei.

Paulo Sérgio PS
Enviado por Paulo Sérgio PS em 09/03/2024
Código do texto: T8016330
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