ReSiLiEnTe NÍVEL ---- (¨t¨e¨r¨r¨o¨r¨)
No espelho não aparecia seu reflexo. Que susto...! Não foi nada. Ele apenas havia se esquecido de acender a luz do quarto!
Acendeu-a.
Socorro! Continuava sem enxergar seu reflexo no espelho! Espere... espere! Novamente estava pensando bobagem. Havia sido provavelmente a faxineira bêbada que tinha deixado o maldito espelho ao contrário!
Virou o espelho e o deixou com a face refletora na posição correta. Era daquele tamanhão onde a pessoa enxergava o corpo todo.
Maldição! Mas o que era aquilo? Não conseguia ver suas pernas, mas apenas enxergava os pés separados do tronco por uma mancha de ectoplasma branco! Não, não... que alívio... foi apenas um susto. Era a toalha branca, de banho, amarrada na cintura e que lhe encobria os membros inferiores.
Porém ao procurar fitar os próprios olhos no espelho, no lugar deles, apareciam dois buracos onde a luz não refletia...! Não, não... bobagem... apenas tinha o costume de sair do “banho pós-ressaca” usando seus óculos escuros.
Lizinássio finalmente se sentiu acordado e vivo.
De repente, lembrou-se do diagnóstico médico no qual ele foi alertado de que deveria parar de fumar e de beber — principalmente com o primeiro vício mencionado, bem entendido, o do tabaco.
Mas, que bobagem! Aquelas vértebras aparecendo eram o seu charme e tinham um sentido prático. Eram justamente elas que serviam para o garçom colocar as pontas dos dedos e ajudar o Lizinássio a se erguer do chão após o fechamento do bar. O cigarro era ainda um charme especial que (combinado com bebidas) não permitia que a pessoa engordasse.
Lembrou-se que havia amanhecido naquele domingo em seu novo endereço. E também lhe veio à lembrança o fato de que estava de olho na filha do vizinho, que fingiu tê-lo esnobado quando o olhar dela demonstrava o contrário porque ela havia fingido que tinha escutado o pai chamar o nome dela quando nenhuma voz se escutou.
Os raios solares inundaram o apartamento banhando o espelho que antes havia servido apenas para assustar o Lizinássio.
De repente, a posição do espelho colocado casualmente funcionou para algo que o Lizinássio considerou que veio a calhar. Seus olhos pareciam enxergar nele a moça cobiçada, pelo reflexo que acusava que ela estava justamente inclinando o dorso ligeiramente na janela do bloco vizinho onde ficava o apartamento. Mas que coincidência! Ele poderia espionar a bela criatura olhando no espelho, evitando assim que ela o percebesse e se assustasse por ser tímida demais.
Que beleza de espelho aquele! E pensar que havia sido motivo para susto, quando ele acordou e pensava estar no mundo dos mortos...!
E a moça! Que belezura! A ideia de beijar o reflexo dela no espelho veio rapidamente. Aquilo poderia servir até como um encantamento de magia, pois a verdade é que Lizinássio se sentia um bruxo sedutor.
Deu alguns passos e lentamente tomou cuidado para não enxergar a si mesmo no espelho, procurando um ângulo onde apenas a moça fosse mostrada aos seus olhos. E, por uma daquelas coincidências, a cobiçada jovem fez um gesto de que parecia estar prestes a tirar a blusa. E isso se confirmou.
Lizinássio apressou-se para beijar o reflexo dela naquele exato momento, colocando os braços para trás de si, como alguém que vai fazer algo de forma respeitosa direcionado a uma bela fêmea — pois ela lhe lembrava algumas donzelas que passavam na calçada do bar onde ele bebia costumeiramente.
Lizinássio, conseguindo fazer uma encenação para si mesmo, foi com toda força e impulsionou os beiços de alcoólatra com um certo ímpeto na esperança de grudá-los no espelho como se isso fosse diretamente naquela futura presa de seus assédios.
Lizinássio não sabia que havia se enganado com o lado do quarto e que não estava indo na direção da parede onde julgava que alcançaria o espelho... mas... contudo... todavia... ao contrário do que seus sentidos diziam, ele estava indo diretamente para a janela onde a imagem da moça era real, tão real que não houve tempo para ele se focar e evitar cair — como de fato caiu — do terceiro andar em trajetória livre para o chão do condomínio.
Nem mesmo a magreza esquelética de Lizinássio ajudou para que o vento amenizasse a força da queda.
E, no outro bloco, a moça assediada reconheceu que algo de ruim havia acabado de acontecer com aquele assediador da véspera, em cujo momento de assédio ela tinha sentido muito medo e havia desejado em pensamento:
— “Morra, seu desgraçado.”
A moça foi para a igreja rezar, naquele mesmo domingo, pois não queria se sentir uma bruxa.
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Da coleção zezediozoniana: “Contos de Terror Que Não Dão Medo”