Jerry Bocchio e a Ameaça no Reality - Capitulo IV: A Área VIP

Após um dia longo de conversas com os participantes do reality, estava eu, no dia seguinte, me arrumando de um modo a parecer bem sucedido, mas respeitando o clima do local. Não dava pra ir de terno pra lá. Anne Gonzalo e eu combinamos de nos encontrar no restaurante, na área comum, para repassarmos nossos personagens para entrar na área VIP, onde o representante do patrocinador do reality gosta de frequentar. Nessas horas me faz falta um distintivo, com ele eu só entraria nos locais sem precisar bolar histórias.

Ao sair do quarto, eu estava trancando a porta quando vi um vulto que parecia se esconder na parede do corredor que cruzava com o corredor onde ficava meu quarto. Minha intuição me chamou a atenção, então fui andando até lá. Pra você ver, né? Todo mundo fala da burrice dos mocinhos dos filmes de terror, mas acaba fazendo igual.

Esgueirei a cabeça pra ver e era o Roninho. Ele estava com uma cara de criança quando é pega cabulando aula. Um pouco nervoso e parecia estar se escondendo de mim. Por que isso? Eu tive que falar:

– Roninho, está tudo bem?

– Detetive! Tá... Tudo bem! Só estou passeando.

– Passeando dentro do hotel?

– Não, dentro do hotel não! Eu tô saindo do hotel, na verdade. É que eu... Preferi usar as escadas... Manter a saúde, sabe? Exercícios!

Roninho parecia muito nervoso. Ele costuma falar gesticulando muito, mas, dessa vez, estava com as mãos nos bolsos da calça.

– Você tá bonitão, detetive! Não está paquerando nenhuma das participantes não, né?

– Não! Não é isso não! Isso aqui é porque... Eu não posso falar o porquê agora.

– Tem a ver com a investigação?

– Sim! Só o que posso falar por enquanto.

– Bom, boa sorte pra você então! Eu vou continuar meus exercícios hehehe.

Ufa! Ainda bem que ele não pediu pra vir comigo. E que medo é esse de eu paquerar uma das participantes? Talvez porque ele queira que o programa dê certo, mas uma das participantes disse que não estava afim de começar um relacionamento no programa. Então, se for pensar assim, não vai dar certo.

Continuei olhando o Roninho descendo as escadas. Ele descia devagar e virando a cabeça em minha direção com cara de preocupação. Qualquer um com um pouco de noção diria que ele estava fazendo algo suspeito. Mas como eu não queria sair do planejado, só esperei ele sair da minha vista para seguir meu rumo. Quando isso aconteceu, fui até o elevador.

Cheguei ao restaurante e vi que Anne ainda não tinha chegado. Então fui até uma mesa da área comum pra esperar. Nosso disfarce era que nós seríamos um casal tentando fortalecer o relacionamento com uma viagem. Ela havia me dito que o restaurante contratou um profissional que sabe falar português excepcionalmente pra recepcionar o pessoal da emissora. Menos mal que eu não vou precisar falar em outras línguas de novo.

Enquanto esperava Anne, vi a influencer Jessy Lins entrando na área VIP. Dez minutos depois, Roninho também entrou, parecia bem mais tranquilo do que parecia quando estava no hotel. Nenhum deles passou por mim, mas, ainda assim, isso não é muito legal, pode estragar o disfarce.

Alguns minutos depois, Anne apareceu. Ela estava... radiante. Os cabelos pretos dela estavam soltos pela primeira vez desde quando a conheci, ela andava com mais leveza, e o vestido vermelho dela chamava a atenção, não por revelar demais, que não era o caso, mas pela beleza dele e como ele se encaixava perfeitamente nela. Ela me localizou logo e foi até a mesa onde eu estava.

– E aí, detetive? Pronto pra colocar o plano em ação?

– Hum... Acho melhor esperar um pouco.

– Ah, por quê?

– Aquela influencer e o Roninho estão lá dentro.

– E o que é que tem?

– Se você está disfarçado, não é bom encontrar gente que te conhece.

– É, faz sentido. Mas, e aí? Vamos simplesmente esperar eles irem embora?

– Bom, não dá pra ficar muito tempo aqui, né? Vamos esperar um pouco e torcer pra eles saírem. Se não saírem, acho que vamos ter que tentar.

Anne se sentou à minha frente um pouco contrariada. Parece que ela estava bem ansiosa para dar continuidade à investigação. Eu já havia reparado isso nela, a investigação parecia despertar nela uma empolgação. Então, eu resolvi perguntar:

– Anne, pode me esclarecer uma coisa?

– Sim, o quê?

– Você não parece gostar muito do seu trabalho atual, por que continua então?

Anne me encarou por alguns instantes e resolveu responder:

– Ah, detetive! De fato, não é o trabalho dos meus sonhos.

– Pode me chamar de Jerry mesmo. Já somos parceiros nesse caso.

– Tá bom então, Jerry. Como eu ia dizendo, não é o trabalho dos meus sonhos, mas eu preciso passar por isso pra conseguir um destaque na carreira.

– Mas você quer mesmo essa carreira?

– Quero! Eu gosto de trabalhar com o audiovisual. Só não é bem isso. Essa futilidade, essa superficialidade desses realities e programas de celebridades, ter que lidar com gente que não está disposta a ideias novas, só o mais do mesmo, nada disso nunca me conquistou. Mas é como eu te falei, é um degrau que eu tenho que subir. Você nunca teve que passar por isso?

– Bom, não sei se você sabe, mas eu já fui da Polícia. Eu gosto de ser investigador, sempre foi meu sonho. Mas, quando entrei pra Polícia, vi que não era bem como eu imaginava. Aqueles protocolos, formulários, arquivos... Eles me engessavam, acabavam com a minha criatividade. Então eu pedi pra sair de lá pra me tornar detetive particular.

– Nossa! Você nunca pensou em subir na sua carreira? Se tornar um tenente, um delegado, um capitão?

– Quando eu entrei sim, mas eu percebi que eu teria que me submeter a muita coisa que não gosto e abrir mão de muita coisa que eu gosto pra isso. E eu iria subir pra quê? Pra continuar subindo? Pra mim não faz sentido. Tem uma coisa que eu falo pra todo mundo: eu só tento conquistar um prêmio se esse prêmio também me conquistar.

– Olha, eu acho que não teria essa coragem de desistir da minha carreira por mera convicção pessoal.

– Mas eu não desisti dela. Você falou de subir degrau, não é mesmo? Então, eu só resolvi subir outra escada. Uma que não tenha paredes dos lados que me forçam a olhar só pra cima, entende? Uma que me deixe aproveitar cada subida de degrau, podendo olhar dos lados também pra apreciar a paisagem.

Após essa minha última fala, Anne ficou apenas calada, me encarando por alguns instantes. Talvez eu deva ter dito algo que ela não tenha gostado, ou algo que a deixou pensativa, não sei. Confesso que fiquei um pouco desconfortável com a situação, não estou acostumado a receber esse tipo de olhar. Só que, por algum motivo, eu não conseguia pensar em nada pra falar também, minha mente parecia que tinha entrado no modo de descanso de tela. Então, eu fiquei apenas olhando pra ela de volta.

O cenário ficou desse jeito até que eu ouvi algo na porta da área VIP. O nome Enzo Klozowicz havia sido citado. Enzo Klozowicz era o representante do patrocinador com quem eu queria falar. Segundo as informações passadas por Anne, ele é CEO da empresa de tecnologia Bytex. Essa empresa cria e distribui aplicativos de smartphones, dentre eles, tem aplicativo de namoro e rede social, isso explica a conexão entre um reality de namoro (se é que pode ser chamado assim) e uma influencer de cultura pop.

Olhei para a porta e vi ele entrando na área VIP, ou seja, ele havia acabado de chegar. Anne também viu ele e me chamou a atenção:

– Jerry, olha! É o patrocinador!

– Eu sei, eu também vi. Será que isso dá mais tempo para esperar os outros dois saírem?

– Não sei. E se eles estiverem lá justamente pra falar com ele?

– Ai, caramba! Então eu acho melhor a gente entrar pra poder olhar.

Ela concordou e nos levantamos. Anne segurou meu braço direito, entrelaçando o meu e o dela, como se fossemos um casal, e fomos até o funcionário na porta da área VIP. Chegando até ele, fiz a minha cara de rico que tanto funciona nessas horas.

– Boa tarde, senhor. Eu gostaria de uma mesa para dois, por favor.

– Pois não, qual é seu nome?

– Meu nome é Ricardo Boladazzo.

Se você quiser se passar por alguém rico, não fique dando detalhes de sua profissão ou suas propriedades etc. Ricos não precisam fazer isso, só o nome com uma palavra parecida com alguma língua europeia e confiança e firmeza na hora de falar. Sempre funciona.

– Não tem o seu nome na lista, senhor Boladazzo.

– Hehe! Como não? Eu sou aceito em várias áreas VIP, por que nesse restaurante não?

– Me desculpe, mas é norma da casa.

– Como assim, "norma da casa"?

– Se não tem o nome na lista, não posso deixar entrar. Muitas pessoas gostam de se fingir de rico pra tentar entrar aqui. Fãs, paparazzi, investigadores...

– Ora, mas que insulto! O senhor, por acaso, sabe quem eu sou?

Beleza, reconheço que joguei a falsa carteirada nessa. Mas é porque eu fiquei desesperado com a irredutibilidade do funcionário. Só que antes de continuar, a Anne resolveu intervir:

– Ricardo, não me diga que você esqueceu de fazer as reservas!

Ela estava entrando no personagem. Resposta rápida, muito bom! Não entendi onde ela queria chegar, então só fui aceitando a proposta:

– Querida... É... Não é bem assim!

– Não é bem assim nada, Ricardo! Você nunca faz nada direito mesmo!

– É que eu não sabia!

– Ah! Eu devia ter ouvido a minha mãe!

Foi então que o funcionário se assustou e tentou intervir:

– Escute, senhora, não se exalte, por favor!

– Não me exaltar? Já fazem quatro anos que eu estou casada com ele e esse elemento nunca faz nada direito! Ele já esqueceu duas vezes o nosso aniversário de casamento. Teve um aniversário da minha mãe que ele deu um aparelho TV Box!

– Mas o pessoal da empresa disse que pegava todos os canais.

– Você fica quieto aí! Vamos voltar pro hotel, de lá, eu vou ligar pro meu advogado.

– Senhor e Senhora Boladazzo, esperem, por favor! Eu achei o nome de vocês aqui na lista.

– Sério?

– Sério? Digo... É sério mesmo! Hehehe! Foi uma brincadeira que eu combinei com ele, Rita! Eu combinei essa cena aqui com o nosso amigo, o...

– Juan.

– Juan!

– Ah, Ricardo! Você e suas brincadeiras! Sempre tentando me fazer rir.

– Me acompanhem, por favor. Vou levá-los até a mesa.

Olha, a ideia da Anne deu certo mesmo! Ela tem talento, rapaz! O funcionário nos levou até a mesa, ajeitou a cadeira para Anne se sentar e, enquanto ia ajeitando a minha, ele disse ao meu ouvido:

– Te entendo, Senhor Boladazzo, também já passei por isso. Vai dar tudo certo!

O funcionário foi chamar o garçom para nós atender e saiu. Enquanto isso, eu fui reparando no lugar. A área VIP é bem diferente da área comum. Pra se ter uma ideia, tem uma parte coberta com algumas mesas para casais e algumas para grupos. Um bar bem extenso do lado esquerdo de onde ficam as mesas com alguns bartenders que ficam fazendo malabarismo com os drinks. E na frente um portão de vidro ornamentado com uma estrutura de metal bem grande que dá para o lado de fora, a parte descoberta, que tem até uma fonte.

Eu comecei a vasculhar com os olhos em todo o lugar, mas não achei Enzo Klozowicz. Será que ele havia saído? Anne, pelo visto, percebeu a mesma coisa.

– Jerry, você está vendo o Enzo Klozowicz por aí?

– Não.

– Eu também não estou vendo o Roninho. Será que eles estão na parte descoberta?

– Não consigo ver tudo daqui. Acho melhor a gente ir até lá.

Nós dois passamos pela porta de acesso à parte descoberta. Também não encontramos ele lá. Só que nós também vimos que tem uma outra saída do lado descoberto da área VIP. Só faltava eles já terem saído por lá.

Quando estávamos voltando para nossos lugares, ouvi alguém chamando o meu nome. Era a Jessy Lins. Olhei para trás e vi ela correndo em nossa direção.

– Detetive! Que coincidência você por aqui! Você está um gato desse jeito, hein? E a Anne também veio... Espera! Vocês estão... Num encontro?

Anne e eu falamos um "não" sincronizado e nos entreolhamos. Após isso, continuei:

– Não, Jessy Lins, a gente está assim pra conseguir entrar aqui.

– Ai, detetive, pode me chamar só de Jessy mesmo. Não precisa ser formal comigo.

– Tudo bem então. A gente só queria... Atchim! Atchim! Ai, tem alguém fumando cigarro aqui?

– Cigarro, não. Tem só um pessoal com um narguilé alí do lado. Eu estava com eles.

– Puts, então eu também sou alérgico a... Atchim! Fumaça de narguilé.

– Jerry, você nunca falou dessa alergia. Tá tudo bem? – Perguntou Anne, parecendo preocupada.

– Atchim! Tá tudo bem Anne! É só uma rinite mesmo. Eu só preciso pegar meu... Atchim! Antialérgico lá no quarto do hotel.

– Hum, ela te chama de Jerry, né?

– Qual é o problema? Olha, eu preciso levar ele de volta pro hotel antes que a reação dele piore.

– Eu vou com vocês! Eu já estava indo pra lá mesmo.

Fomos, então, para o carro em direção ao hotel. Eu estava na constrangedora situação de ficar entre as duas, Jessy e Anne, com um lenço tampando o nariz pra evitar cenas mais embaraçosas. Foi quando Jessy continuou a pergunta que fez no restaurante:

– Então, se vocês não estavam num encontro, o que queriam lá?

Anne vendo minha situação, resolveu responder:

– Nós queríamos falar com o patrocinador. O Enzo Klozowicz.

– Eu também fui lá pra falar com ele. Só que, enquanto eu começava a conversar, o Roninho apareceu e saiu com ele.

Então foi isso mesmo o que aconteceu: os dois foram embora antes de nós chegamos. Só que uma dúvida surgiu, então fui perguntar, mesmo com o lenço no nariz:

– O que você foi falar com ele?

– Eu queria pedir pra sair do reality. Estou meio desconfortável em me imaginar num reality de pegação. Além disso, essa investigação está atrasando o início e eu preciso voltar a fazer conteúdo pros meus seguidores, já que o contrato não deixa eu fazer isso aqui... Quer dizer, não que eu esteja criticando seu trabalho... Jerry.

– Desde a primeira conversa que a gente teve, você demonstrava que já não estava muito afim de participar, por que aceitou no começo então?

– Ah, uma mistura de várias coisas: eu estava com raiva do meu ex-namorado, o patrocinador me indicou e eu achei que ia ajudar a me divulgar mais. Além disso, o Roninho é um dos membros do meu fã clube. Eu achei que ele ia me dar uma ajuda.

– O Roninho é seu fã?

– É! Mundo pequeno, né? Ele ficou bem surpreso quando eu apareci.

Foquei na pessoa errada. Era melhor perguntar mais algumas coisas para o Roninho. O modo como ele agiu estranho hoje, bem evasivo, juntamente com essas informações me faz crer que ele tem algo por aí.

Quando chegamos ao hotel, eu fui subir e Anne veio comigo, ainda um pouco preocupada. Eu tentei tranqulizá-la, mas sem muito efeito. Jessy veio subindo junto, parecia que ela estava nos inspecionando.

Abri a porta do meu quarto, entrei e tomei meu antialérgico que eu deixei no gaveteiro ao lado da cama. Virei para as duas, que ficaram na porta e elas estavam paralisadas, assustadas por algum motivo.

– Anne, Jessy, podem se acalmar, é só uma rinite.

Elas me ignoraram e continuaram olhando assustadas para trás de mim, quando me virei, vi que tinha uma frase escrita em vermelho com letras enormes na parede do quarto: "Jerry Bocchio, caia fora!"

Que droga, cara! Agora eu também sou o alvo da ameaça. Significa que quem ameaçou está por perto e sabe o que estamos fazendo. Ou seja, ele sabe mais sobre eu do que eu sobre ele. É hora de eu começar a me preparar para ser mais efetivo na minha investigação.

Continua...