Jerry Bocchio e a Ameaça no Reality – Capitulo III: Os Participantes
Cá estou eu, no Caribe, mais precisamente em Aruba. O dia mal amanheceu e eu já estou acordado no quarto do hotel me preparando para os interrogatórios que vou ter com os participantes do reality. O reality se trata de romances, mais especificamente, romances que deram errado. Então preciso ser cuidadoso com minhas abordagens.
Para isso, eu estava dando uma repassada no meu caderno de como fazer interrogatórios, com anotações pessoais que fui fazendo durante minha experiência como investigador da polícia e particular. Tá, e também tem algumas anotações baseadas em filmes e séries que eu assisto... OK, eu confesso, tem mais anotações referentes a filmes do que da minha experiência. Enfim, eu estava dando uma olhada nesse caderno quando meu celular tocou. Era Anne Gonzalo. Ela pedia para eu encontrá-la na recepção do hotel para irmos até o estúdio de gravação onde eu conversarei com os participantes.
Peguei meu caderno, minhas coisas, e pensei em pegar minha jaqueta. O problema é que em Aruba faz muito calor e eu não aguento ficar com uma jaqueta num calor desses. Eu não gosto de ficar sem a minha jaqueta porque isso atrapalha minha imagem de detetive. Aliás, quando eu me tornei detetive particular, minha intenção não era nem comprar uma jaqueta esportiva, era comprar um sobretudo mesmo. Poxa, todos os detetives na TV usam algo desse tipo e andam com as mãos nos bolsos dos casacos, o Kojak, o Columbo, o John Constantine, o Sherlock Holmes em algumas adaptações... Mas o clima no Brasil não deixa eu ter estilo.
Desci na recepção do hotel e Anne estava me esperando lá com o motorista. Ela estava com a cara menos amarrada do que das outras vezes que conversei com ela. Um indício de que ela possa estar com um bom humor. Talvez agora eu consiga fazer ela entender que não deve se envolver muito no caso, para a segurança dela mesma.
– Bom dia, detetive! Preparado para conhecer os participantes?
– Bom dia, Anne! Sim, tenho tudo o que preciso aqui no meu caderno.
– Não vai me fazer sentir vergonha alheia de novo, hein?
– É, então... Sobre isso... Esse é um caso de ameaça que a gente não faz ideia de quem mandou. Pode ser qualquer um. Pode ser um fã, um ex dos participantes, pode ser da produção, da emissora, pode ser até o motorista aí...
Então, percebi que o motorista me olhou assustado.
– Não que eu esteja desconfiando de você, hehehe. É só uma suposição, fica tranquilo. Então, Anne...
– Ah, já sei! Você quer que eu fique de fora pra minha segurança, não é?
– É... Pelo visto você entendeu, né? Pode ser perigoso.
– Olha, detetive, não se preocupa comigo não que eu sei me virar, tá bom? Além do mais, seu sucesso nesse caso garante o meu também, já que fui eu quem te indicou pra diretoria da emissora. Eu vi como você descobriu sobre o general que assumiu a identidade da mulher dele. Então, acho que a gente tá nessa juntos.
Uma coisa que eu não tinha reparado: Anne foi a única que prestou atenção na parte certa do meu outro caso. Além disso, ela me parecia empolgada. Parecia com a mesma empolgação que eu sentia quando ia investigar meus primeiros casos após ser promovido na Polícia. Um outro indício disso era que era ela quem me fazia as perguntas durante a viagem até o estúdio.
– E então? Como você procede?
– Ué? Como assim?
– Você tem algum tipo de método pra saber se a pessoa é suscetível, se está mentindo, etcetera?
– Não, eu só pergunto o que a pessoa sabe. A única coisa que eu mudo é a abordagem.
– Mas e se ela estiver tentando te ludibriar? Eu vejo em vídeos que as pessoas dão sinais quando estão mentindo, você não detecta nenhum?
– Nah! Eu não me concentro muito nisso não. Se você fica muito preocupado com isso, acaba se perdendo. Só se for algo bem escancarado. Além disso, as provas falam mais do que os investigados.
– Nossa! Achei que era diferente. Bom, como já estamos chegando, deixa eu te adiantar: os participantes homens e as mulheres não podem se ver antes das gravações. Então, na parte da manhã você falará com os homens e depois do almoço falará com as mulheres.
– Quantos participantes são?
– Três homens e três mulheres.
– Bom, tenho muita conversa pra hoje.
Quando chegamos ao estúdio, nos encontramos com Roninho, o diretor do reality. Ele disse que faria questão de acompanhar também os interrogatórios. Eu acho um pouco limitador tanta gente observando. Mas, como o trabalho deles envolve ficar acompanhando pessoas por vinte e quatro horas, vou ter que aguentar isso.
Eu me sentei em uma mesa posta no meio do estúdio e Anne, sem falar nada, se sentou ao meu lado. Eu pedi para Roninho chamar o primeiro participante. Ele chamou e logo entrou na sala um homem com pinta de modelo ou astro de Hollywood. Ele andava de forma nada discreta, como se estivesse naquelas propagandas de perfume para homem. Ele se sentou à minha frente e eu logo comecei:
– Nome e profissão, por favor.
– Meu nome é Marco Polo Alfinco. Sou empresário. Você é que é o cara que vai investigar a ameaça, é?
– Então, você também está sabendo.
– Tá todo mundo sabendo. Notícia como essa espalha fácil, cara!. Mas não se preocupa que não fui eu.
– Na verdade, Marco, eu queria saber mais sobre sua relação com a ex. Vocês eram o quê? Namorados, casados ou outro tipo?
– Haha! Você tá achando que foi ela? Por minha causa?
– Olha, vai ficar mais fácil se você responder minhas perguntas, Marco.
– Eita! Um detetive linha dura! Beleza então! Ela é minha ex-noiva.
– Ex-noiva? Por que terminaram? Quem terminou?
– É, desgaste na relação. Foi um rompimento mútuo.
Quando um cara desses fala que foi "mútuo" é porque foi ela quem terminou, pode apostar. Além do mais, chegou a ser noiva. Pra ter um rompimento num noivado, muito provavelmente, algo aconteceu, não só "desgaste na relação". Mas, sabendo como é complicado esse negócio de romance, não vou descartar totalmente por enquanto.
Roninho mandou entrar o segundo. Achei curioso quando ele entrou. Era um senhor de idade usando roupas de turista. Eu não aguentei e perguntei para Anne:
– Não são apenas os jovens que participam?
– É que nessa temporada a emissora quis apostar em um homem com sabedoria. Eles estão vendo a tendência de professores e palestrantes virando influenciadores e acharam que seria bom colocar um para participar.
Diferente, não? Pensei que eles davam valor só pra pegação. Ou será que eles teriam... É melhor eu não terminar a pergunta.
– Quer dizer que o senhor é professor? Qual é seu nome?
– Professor, historiador e filósofo. Meu nome é Augusto Cyran
– Certo, Professor Cyran. Como era sua última relação e como terminou?
– Era uma relação maravilhosa que eu tive com minha esposa. Foram 40 anos de casados. Infelizmente acabou porque ela faleceu.
Ué? Como? Se o programa tenta criar conflito com ex, como vai fazer isso com um viúvo? O espírito dela vai aparecer? Esse pessoal do show business não sabe o que inventar mesmo.
Eu até poderia detalhar a conversa com o terceiro participante, mas ele era exatamente igual ao primeiro. Presunçoso, superficial, andava como se estivesse num filme de ação, ostentava suas roupas. Até o jeito de falar era igual. Na hora do almoço eu falei sobre isso com a Anne:
– Vocês selecionaram dois caras completamente iguais pra participar.
– Ai, detetive, nem me fala! Eu tive que participar da seleção e vi mais dez iguais a eles.
– Não dá muita diversidade pras mulheres escolherem, né?
– Calma que você ainda vai falar com elas. Aí depois você me fala.
Então começaram as conversas com as participantes mulheres. E mais uma chuva de superficialidade, presunção e ostentação com as duas primeiras. Meio que como uma fosse a outra depois de trocar de corpo. Depois que a segunda saiu eu olhei para Anne que me olhou fazendo uma expressão como quem diz: "Eu não disse?" Eu, simplesmente, não entendo como ela aceita esse trabalho que faz ela passar por isso. Ela passa a nítida impressão de que não gosta daquilo.
Roninho mandou entrar a terceira participante. Uma moça que parecia um pouco mais jovem que as outras duas. O braço direito dela tinha uma tatuagem que ela fazia questão de deixar à mostra. Parecia ser um pouco diferente das outras duas, um pouco mais enérgica. Os cabelos vermelhos dela chamariam a atenção até mesmo no meio de uma torcida do Internacional. Ela se sentou à minha frente e foi ela quem começou:
– Uau! Jerry Bocchio! Você é quem é o detetive?
Opa, Ela me conhece! Um começo diferente como esses merece uma abordagem diferente. Então consultei meu caderno e respondi:
– Sou eu quem faz as perguntas aqui, mocinha! Ah, não, pera... Abordagem errada, desculpa o grito. Deixa eu ver a página certa do meu caderno aqui... Hum, deixa ver... Ah, achei! Sim, cara testemunha, eu sou um detetive... Ah, não eu acho que ainda tá errado.
– Gente, eu tô confusa. O que tá acontecendo aqui?
– Liga não Jéssica, esse detetive sempre dá uma dessas. Mas ele o detetive sim. – Disse Anne, se metendo no meio da conversa.
– Quer saber? Vou deixar meu caderno de lado e vou voltar pra abordagem padrão. Nome e profissão, por favor.
– Nossa! Você não me reconhece? Eu sou a Jessy Lins!
– Não tô lembrando de você não, desculpa. De onde nos conhecemos?
– Não é isso! Eu sou influencer de cultura pop! Nunca viu meus vídeos nas redes sociais?
– Aaaah! Eu não sou muito de ficar em redes sociais. Esse negócio de ficar rolando a tela pra cima me dá tontura.
– Você devia ver mais, então. Você está bem famoso nelas por causa do caso do empresário com a velha rica que está morta.
– Ah, não! Que saco! Essa não era a parte principal do caso, gente!
– Pelo visto você não queria essa fama, né? A internet é assim mesmo. Por que você está aqui então?
– Bom, como todo mundo aqui já sabe, eu vou falar: alguém enviou uma ameaça para a produção do programa e eu fui chamado pra investigar.
– Uau! Eu vou fazer parte de uma investigação que nem aquelas dos filmes? E com você como detetive? Então eu vou ajudar. Voltando do começo: Meu nome é Jéssica Lins e eu sou influenciadora digital.
A decisão repentina de colaboração dela me deu ânimo pra continuar:
– Eu queria saber sobre sua última relação. Vocês eram namorados, casados ou outra coisa?
– Namorados.
– Quem terminou a relação e por quê?
– Ah, nem gosto de falar. Aquele babaca! Eu mal terminei com ele e ele já está com outra.
– Pelo visto, teve problema então. Você acha que ele seria capaz de se vingar caso te visse com outra pessoa?
– Ele? Pfff! Ele tem só pose! Que nem um baiacu. Além disso eu não vim aqui pra encontrar outro relacionamento, só vim porque o meu patrocinador é o mesmo do programa.
Por algum motivo, Roninho achou que iria poder se meter na conversa, aí, enquanto ele falava, eu fui dando uma olhada no meu caderno pra saber se eu tinha alguma anotação sobre essa situação.
– Jessy, você já veio com essa ideia pro programa?
– Ai, Roninho! Cansei desse tipo! Eles não valem nada! Eu estou começando a ver um pouco de valor mais em alguns lobos solitários, mais especificamente, alguns que evitam até redes sociais.
– Ah, mas esse tipo também não...
– Sou eu quem faz as perguntas aqui, rapaz! A-ha! Agora eu acertei a abordagem! Então, Jessy Lins, como ele ia falando, esse negócio de sair com lobos pode ser perigoso mesmo, além do que, pra adotar animais selvagens precisa de umas autorizações especiais. Não sou especialista nisso.
– Detetive, você entendeu o que ela...
– Olha, Roninho... Quer que eu passe pra página 90 do meu caderno?
– Hahahahaha! Você é engraçado, Jerry! Quando acabar esse caso, você não quer dar uma entrevista no meu canal? Eu posso te ajudar a mudar a sua imagem.
Então, foi a vez de Anne interromper de novo:
– Na verdade, a emissora não pretende passar isso pra imprensa... Coisas dos bastidores.
– Não vai gritar com ela que nem você fez comigo, detetive?
– Gente! Isso aqui já tá parecendo o Superpop já, com tanta gente interrompendo. Quer saber? Jessy Lins, pode ir, está dispensada. Qualquer coisa eu te chamo de novo, beleza?
Depois de todas essas conversas, estava eu tentando tomar meu café com um pão na chapa, que nem eu faço na Padaria Nova Caledônia, pra tentar organizar meus pensamentos. O problema é que, no Caribe, eles não sabem fazer isso. Então estava tentando reproduzir o ambiente com um expresso mesmo. E eu vou te falar: que café ralo!
Enfim, estava eu lá quando Anne apareceu e se sentou à mesa junto comigo.
– E aí, detetive? Já tem algum palpite?
– É, foi difícil tirar alguma informação relevante desse pessoal. Mas, eu tenho a impressão de que Jessy Lins tem algo interessante para nós.
– Por que ela?
– O relacionamento dela foi o único que acabou em problema, quer dizer, problema passional, né? Já que um deles virou viúvo. Mas, como eu não acredito que o espírito da mulher dele tenha amaldiçoado o programa, eu acho que Jessy Lins é a que tem mais chance.
– Então, você crava que o motivo é passional.
– É, então, ainda estou no começo. Talvez possa não ser esse motivo. Pra dar continuidade, eu queria mais informações sobre o patrocinador. Você disse pro Roninho que o patrocinador quer a temporada desse programa independente de ameaça ou não. Por que ele tem tanta confiança que vai dar certo? Eu conseguiria falar com ele?
– Vai ser difícil, ele só fica na área VIP do restaurante. Poucas pessoas têm acesso.
– Então, vou bolar um disfarce para nós tentarmos entrar amanhã.
– Nós, detetive?
– Sim. Você não disse que a gente está junto nessa?
Anne se empolgou com a minha decisão. Parecia que ela estava gostando de trabalhar como investigadora. Ela pediu um café também para ir combinando comigo como nós iríamos fazer para entrar na área VIP do restaurante.
Então, agora eu tenho uma parceira para investigar o caso. Espero que nós sejamos uma dupla entrosada para que o trabalho flua melhor.
Continua...