Descrições indescritíveis, comparações incomparáveis e explicações inexplicáveis - de autoria de José Carlos da Silva Quinha - publicadas no Zeca Quinha Nius.
Um amigo meu, daqueles antigos, bem antigos, mumificado, homem que eu conheci anteontem, perguntou-me, como quem nada quer, mas querendo de mim a resposta para a pergunta que me fazia: "A sua mulher 'tá grávida?" E eu lhe respondi, como quem nada quer, mas querendo responder-lhe à pergunta que ele me fizera: "Mais ou menos." E ele não me compreendendo a resposta, que lhe dei, e tampouco a entendendo, coçou a cabeça, a dele, e não a minha, e lhe pôs em cima um ponto de interrogação - que eu, ciente de que nenhum ponto de interrogação havia de concreto, em imaginação vi -, tratei, e logo, para que ele cessasse a coceira, de lhe explicar: "A minha mulher está grávida, mas não de todo. É a dela gravidez a de gênero mais ou menos porque a criança que lhe enche o útero enche-lho a metade, e não o todo; portanto, mesmo que não se saiba qual das duas metades do útero dela, da minha mulher, e não da criança, está cheia e qual vazia, diz-se, para todo efeito prático, que ela, a minha mulher, e não a criança, está mais ou menos grávida." Entendeu-me o meu interlocutor assim que encerrei a explicação, e não antes.
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Em Pindamonhangaba, cidade brasileira localizada, pelas pessoas que a localizam, em território brasileiro, há uma loja, desde a inauguração dela, em 1995, da Loja A, endereçada na rua Tal, número 888. Há uma semana, inaugurou-se uma segunda loja da Loja A, agora (agora, não; há uma semana), na avenida Qual, à altura do número 1234. As duas lojas da Loja A, ambas em terras pindamonhangabenses, são do mesmo tamanho, embora a mais nova seja um pouco maior do que a mais velha - que é, por consequência automática, um pouco menor do que a mais nova -, aquela compreendendo o dobro do tamanho desta, e esta, por automatismo, entendendo a metade do tamanho daquela. Ambas as duas lojas vendem produtos sempre que alguém delas os compram. Os gerentes de ambas as lojas, que são a mesma pessoa, disseram-nos que as pessoas, quaisquer pessoas, se o desejarem (não queremos dar a entender que desejam o gerente), podem às lojas se encaminharem para conferir os preços dos produtos que em ambas estão à venda mas que ainda não foram vendidos. Fui, ontem, às duas lojas, mas não ao mesmo tempo e simultaneamente na mesma hora, e conferi os preços: estão todos certos.
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Hoje, às nove da manhã, antes da hora do café-da-manhã dos meus vizinhos, que não bebem café, e nem que a vaca tussa, e tampouco se o cavalo rapar a cabeça, um homem, à fila do cartório (a fila não é do cartório, que dela não é o proprietário - que fique bem entendido), após abordar-me, assim, sem mais nem menos, relatou-me uma história razoavelmente escalafobética, que é esta: "No dia do aniversário natalício do meu irmão caçula, que, mesmo sendo o menor dos quatro irmãos, sabendo-se que eu sou um deles, é o maior de todos os quatro, considerando-se que dos outros três, excluindo-se ele, eu sou um deles, falou-me de uma teoria científica, ainda não cientificamente comprovada, e é a teoria a seguinte: "Se a evolução tivesse transformado os pterodactilos em baleias, e estas em orangotangos, em vez de os haver transformado em orangotangos sem antes os transformar em baleias, os humanos, que evoluímos dos orangotangos, herdaríamos, por meio destes, os dons marítimos das baleias, e seríamos seres aquáticos." "Interessante a teoria é.", eu disse ao meu irmão caçula, simultaneamente o maior e o menor dos quatro irmãos. E completei: "O aspecto preocupante, neste caso, é que não poderíamos nos banhar em rios e lagos, pois seríamos seres de água salgada, e nâo de água doce." Concordou comigo o menor, que é o maior, dos meus três irmãos; e ele se revelou interessadíssimo nas elucubrações teóricas que na sequência lhe apresentei." Registro esta história, para a posteridade, pois ela, a história, e não a posteridade, contempla uma idéia que é de inestimável interesse científico àqueles que se interessam pela ciência.
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Anteontem, no tribunal, o advogado de defesa defendeu o réu, que, não sendo mudo, foi proibido de falar, pelo advogado de defesa, contratado para o defender, e pelo advogado de acusação, contratado para o acusar, e pelo juiz e pelo promotor público, ambos contratados para ouvirem os dois advogados, o de defesa e o de acusação, e impedirem o réu de falar em sua defesa, ele, o réu, de todos os presentes no tribunal o único presente onde supostamente ele perpetrara o crime que lhe imputavam. Acompanhei, atentamente, o caso, cujos detalhes, os que mais do que todos os outros me chamaram a atenção, imprescindíveis à sua compreensão pelas pessoas que ambicionam compreendê-lo, são estes: o juiz penteia os cabelos, quase inteiramente grisalhos, da direita para a esquerda; o réu, homem de menos de quarenta anos e mais de vinte, coça o nariz exibicionista com o fura-bolo direito; o advogado de defesa tem sobrancelhas finas e testa abaulada; o promotor público tem bochechas rechonchudas; a lâmpada do abajur do fundo do tribunal, próximo à porta, piscapiscava e luziluzia sem cessar, bruxuleantemente, durante o espetáculo circense que os homens-da-lei protagonizaram; um pardal entrou, no tribunal, por uma janela da direita, das três a mais próxima do juiz, e retirou-se por uma janela da esquerda, das três a mais longe do juiz; dois carros colidiram-se na rua, a vinte metros de distância do tribunal; a mulher sentada ao meu lado disse-me que o jornal, que ela trazia às mãos, anuncia tempestade, em toda Pindamonhangaba, nos próximos cinco dias (se o caso se deu anteontem, então as tempestades estão anunciadas para os próximos três, pois anteontem foi há dois dias - que fique bem claro); no banco à minha frente, um homem, de chapéu, e com cara de fuinha, fungava e coçava o nariz com o indicador e o polegar esquerdos; no banco à minha direita, havia uma senhora mais feia do que o capeta. Meu Deus! De que inferno emergiu aquela baranga, tribufu dos diabos?!
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O Carlos, vizinho da dona Cláudia, filha do seu Matheus, vizinho do Renato, mecânico da Mecânica Automática, localizada, por quem a localiza, na rua Dom Dom Domingos Sexta-Feira, à frente da padaria do João, marido da Fátima, filha da dona Luzia e do seu Vicente, ela, irmã da Marialva, esposa do João da Cantina, ele, irmão do Bartolomeu, sogro do Teófilo, irmão do Timtimtam, pai da Zuleica, condiscípula da Berenice, filha do Jesualdo do Capim e da Cristiane da Cocada, disse-me, hoje, antes de eu ir ao banco, que ele se encontrou com o irmão dele, o Mauro, e ao ver-lhe nos olhos banhas de remela e no nariz avantajado um tatu obeso de bom tamanho a escapulir-lhe, da fossa nasal direita, dependurando-se de um fio de pêlo, chamou-lhe a atenção para essas duas enormidades, consciente que é da relevância do asseio corporal para o bom andamento da vida, inclusive da do Mauro, que, porquê lhe amputaram, há dez anos, as pernas, que eram duas, não anda.