Jerry Bocchio e A Ameaça no Reality – Capitulo I: O Tédio da Vida Nova

Meu nome é Jerry Bocchio, trabalho como detetive particular. Costumo pegar casos que a Polícia despreza porque, pra mim, não existe caso sem importância.

No meu último caso, quando investiguei a rica Alice Harback, as coisas não acabaram tão bem quanto eu imaginava. Afinal, eu expus meu cliente e acabei sem uma boa parte do dinheiro prometido.

Só que esse caso me deu visibilidade. Um belo dia, perto de chegar no meu escritório, ouvi a voz de uma mulher gritando meu nome do outro lado da rua. Quando olhei, vi que era uma repórter com um câmera ao seu lado. Logo lembrei da minha promessa feita ao Seu Rogério, dono da Padaria Nova Caledônia, de que se alguém fosse me entrevistar sobre o caso, eu iria dar a entrevista na fachada da padaria. Então saí correndo em direção à padaria fingindo que não queria falar, mas com passos não muito rápidos a ponto da repórter não desistir de me alcançar.

Durante todo o percurso, eu ouvia da repórter a frase "Jerry, só uma palavrinha pra ARTV". Quando estava chegando na padaria, mandei uma mensagem para o Seu Rogério dizendo apenas "É agora". Ao chegar lá, vi o Seu Rogério na porta e parei de correr. Aí começou a minha atuação:

– Está bem, está bem! Mas vocês da ARTV têm sorte de eu estar com bom humor hoje.

– Ah, que ótimo, detetive! Eu sou Daniela Malta, da ARTV. Fala aqui pro pessoal de casa sobre o caso da Alice Harback.

Um jeito meio alegre de abordar uma entrevista num jornal, né? Eu esperava uma pergunta mais formal.

– É, não posso falar muito sobre o caso, mas consegui descobrir que Ivan Harback ainda está vivo e...

– Tá, mas e o caso dela com o empresário Allan Tresekos? Teve foto?

– Por que você está me perguntando isso? Essa é a parte secundária do caso.

– Nããão, detetive! O pessoal de casa tá doidinho pra saber sobre o romance dos dois.

– Desde quando o "Alerta Já" se preocupa com isso?

– Ah, detetive, desculpa! Tá tendo um mal entendido aqui. Eu sou repórter do "Famosos em Foco". Mas conta aí, foi a Renata Tresekos quem contratou você pra investigar o romance deles?

Que droga, cara! Eu virei notícia de programa de fofoca! Ainda por cima, quando eu voltei pro escritório, liguei meu computador pra procurar meu nome na internet e vi minha foto em um monte de portais de notícias de famosos. Eu detesto programa de fofoca!

Sabe o que é pior dessa situação? Isso afetou o meu trabalho. Os casos que começaram a aparecer nos dias seguintes eram, em sua grande maioria, de maridos inseguros pedindo pra eu investigar se a mulher estava traindo eles. A maioria deles eram homens ricos bem mais velhos que as esposas, tem até termo pra isso, acho que é "suggar daddy". Eu nunca entendi essa cobrança deles por amor de suas esposas. Como você vai exigir amor numa relação iniciada por meio de um contrato? Aliás, eu desconfio que o sentimento que eles tinham por elas também não era amor.

E eu vou falar uma coisa pra você, nas vezes que eu descobria que a mulher não estava traindo, não adiantava nada eu mostrar fotos, registros, testemunhas, nada! A paranóia e a insegurança desses caras não deixavam eles acreditar em mim e eu ficava sem receber algumas vezes.

E assim foi indo durante longos seis meses, eu ficava direto indo atrás de mulheres completamente superficiais em festas, restaurantes, shoppings, bares, academias, salões de beleza... Eu nem precisava variar meus disfarces. A superficialidade dessas pessoas é tão alta que não precisava ser muito criativo nas conversas.

Como eu sentia falta dos meus casos antigos. Tentar descobrir de qual poste partia o fio do gato de luz, me infiltrar numa empresa pra saber quem estava desviando produtos, saber qual era o sujeito que ficava pichando o prédio, descobrir quem roubou o material esportivo da aula de educação física... Aquela entrevista pra dona fofoqueira me fez muito mal.

Isso tudo até esse dia. Lá estava eu, sentado, sozinho no meu escritório depois de ter tomado mais um esporro de um senhor de 56 anos que não tinha acreditado que sua mulher, de 32 anos, não estava tendo um caso com o enólogo. A minha mesa estava com várias fotos dela espalhadas e eu, apoiado sobre a mesa com o meu braço esquerdo segurando a minha cabeça, apenas esperando a hora de ir embora. Aí ouvi uma batida na porta. Eu, completamente amoado, soltei pra pessoa:

– Entra!

Era uma moça vestindo um blazer e roupa social feminina. Ela aparentava ter mais ou menos a minha idade. Suas roupas, o rabo de cavalo e a maquiagem discreta me davam a impressão de que ela era uma mulher séria. Fiquei um pouco aliviado com a variação do tipo que apareceu no meu escritório. Agora só me falta ela ser a esposa que tá desconfiada do marido mais velho. Conforme ela foi chegando perto da minha mesa eu fui me ajeitando. Ela se sentou e perguntou:

– Você é Jerry Bocchio?

– Quem pergunta?

– Meu nome é Anne Gonzalo, eu sou produtora de TV do canal Glamour TV.

Ah, pronto! O Glamour TV é um canal de TV a cabo que só passa programas sobre celebridades e realities de gente rica se pegando. Não consegui esconder minha frustração:

– Ah, não! Programa de fofoca de novo? Eu quero investigar crimes, poxa!

– Então não se preocupe sobre isso, detetive. Tenho algo aqui que você vai querer.

Ela puxou o celular da bolsa, abriu o aplicativo de mensagens e deu o play em uma mensagem de áudio. O sujeito da mensagem de áudio falava com uma voz bem grossa, parecia o Darth Vader. Ele dizia o seguinte:

"Atenção aos produtores da Glamour TV: Não gravem mais o programa "Jantando Com o Ex". Caso contrário, haverá sangue em suas mãos"

Eu não sabia se ficava com medo ou animado. Era um caso diferente de suspeita de traição aparecendo pra mim, mas era uma ameaça de morte pra uma emissora de TV.

– Caraca! A Polícia não quis atender vocês por quê?

– Na verdade, nós decidimos não chamar a Polícia ainda pra evitar tumulto com o público. Aí nós vimos seu trabalho no caso do General Ivan Harback e vimos que você pode nos ajudar a identificar o autor da ameaça antes de começarmos as gravações do programa.

Opa! Ela disse "caso do General Ivan Harback"! Significa que eles focaram na parte importante do caso antes de me procurar! Me animei, voltei à minha postura de detetive e comecei a mostrar minhas habilidades pra ela:

– Interessante, muito interessante! Você veio ao lugar certo, moça! Eu, só de ouvir essa gravação, já consigo traçar parte do perfil do suspeito.

– Sério? O que você notou sobre ele?

– Nota-se, claramente, que ele é um vocalista de uma banda de death metal.

– Como você sabe disso?

– Ora, Anne. Olha a voz gutural que ele está usando na gravação. Só alguém que canta death metal consegue fazer a voz ficar assim.

– Você sabe que ele está usando um recurso de áudio pra mudar a voz dele, né?

– Ué, dá pra fazer isso?

– Sim, hoje tem até aplicativo de celular que faz isso!

– Aaaah! Nossa, que legal! Acho que vou baixar um desses! Deixa eu pegar aqui meu celular...

– Ai, detetive! Você aceita o trabalho ou não?

– Sim, aceito!

– Ótimo! Então amanhã eu vou mandar um motorista te buscar às 8:00 pra te levar até o aeroporto onde você vai me encontrar...

– Opa, opa, pera aí! Aeroporto?

– Sim, você vai comigo no jato da emissora pro Caribe, que é onde vai ser gravada essa temporada. Então faça as suas malas e não aceite mais nenhum outro caso por enquanto. O nosso pagamento vai cobrir sua exclusividade.

Caraca, eu vou pro Caribe! Eu voltei a ficar empolgado de um jeito que parecia quando eu tinha sido promovido pra ser investigador. Fui correndo pra casa pra me preparar pra viagem. E ainda baixei o aplicativo pra mudar de voz. É muito legal mesmo, tem até voz de esquilo nele.

Mas tenho que manter o foco! Tem um cara mandando uma ameaça pra uma emissora de TV e eu não sei nem de onde veio e nem a motivação dele. Tenho que ser sério! Mas também o fato de não ser mais suspeita de traição me deixa ainda mais empolgado. Então, vai ser difícil segurar tanta empolgação.

Continua...