Jerry Bocchio – Detetive Particular – Capítulo IV: A Padaria Nova Caledônia

Tom veio até meu escritório me dar péssimas notícias. Alice Harback foi até a Polícia pedir medidas restritivas contra mim. Agora eu terei que ir até a delegacia onde eu trabalhava para prestar contas sobre minha investigação. E o que é pior, terei que fazer isso para o Capitão Lester Gregade, meu antigo capitão quando eu trabalhava na Polícia.

Agora só tenho dois dias, contando com esse, para ir atrás de algo que sustente minha investigação. O problema é que, além de eu não encontrar nada, ainda vou me enfiando num emaranhado de informações cada vez maior. Todas informações sem provas.

Eu pensei em tentar voltar ao Hamilton's Fashion e dar uma prensa no maquiador, mas lembrei que quando Alice veio me ameaçar, ela citou que eu fui lá. Logo, é quase certeza que ela pegou essa informação com Hamilton e veio até mim. Então poderia ser perda de tempo ir até lá.

Se a teoria maluca de Allan estiver certa, descobrir detalhes sobre a morte do General Ivan Harback ajudaria a dar um norte para minha investigação. Afinal de contas, seria um inimigo se vingando da família dele. Então comecei a tentar ver na própria internet mesmo se achava notícias sobre a morte do General. Tentei até entrar em sistemas próprios para a polícia com um login criado por um amigo meu, que eu não vou falar o nome. Tudo em vão. A única coisa que eu encontrei foi que ele havia desertado e desaparecido, depois disso, mais nada. Não encontrei nem sequer registros de punição a ele, já que desertar é crime. E olha que eu até tentei ligar para alguns contatos do Exército, sem solução.

Não via outra saída, a não ser ir até o hospital onde Alice Harback havia sido internada. Eu teria que ser muito furtivo pra não chamar muita atenção. Só que quando me preparava para sair, meu telefone tocou. Era Allan Tresekos:

– Alô, detetive Jerry Bocchio?

– Sim, Allan, pode falar.

– Preciso que o senhor venha à minha casa. Mandei meu motorista te buscar.

– Olha, senhor Allan, eu estou com muita pressa pra resolver esse caso. Isso virou urgente.

– Eu sei, detetive. É justamente sobre isso que eu quero falar. Só que, dessa vez, prefiro que seja em minha casa.

Fui até a porta do escritório e, do lado de fora, estava o carro do Allan Tresekos com um homem em pé ao lado da porta do carro. Ele disse meu nome, falou que Allan estava me esperando e abriu a porta do carona. Entrei no carro pensando que agora tinha ferrado de vez. Allan também me escondia muitas informações. Isso também fazia dele um suspeito para mim.

Chegamos à casa de Allan. Era uma mansão grande. O motorista passou pelo portão, atravessou o jardim e me deixou na porta. Allan estava me esperando no rol de entrada com um homem ao lado. Esse homem tinha cara de advogado. Desci do carro e andei até Allan, que também parecia apressado.

– Doutor Perez, esse é o detetive que eu te falei. Jerry, esse é o Doutor Rodolfo Perez, meu advogado.

Batata! Advogados... nunca me enganam. Enfim, nós três entramos e fomos até a sala de estar. O advogado e eu nos sentamos em poltronas e Allan, que continuou em pé, começou a falar.

– É o seguinte, detetive: eu te chamei aqui porque Alice Harback foi até a Polícia e pediu medidas restritivas...

– É, eu sei. Eu já estava indo investigar pra coletar provas pra sabatina de depois de amanhã quando o senhor me ligou. Não se preocupa não porque não é a primeira vez que fazem isso comigo.

– Com você? Ela pediu medidas contra mim!

– Eita! Você também? Parece que eu vou ter que me apressar ainda mais.

– Então, sobre isso, eu gostaria que você ouvisse meu advogado. Doutor.

O advogado levantou de sua poltrona e começou a falar:

– Detetive, como vai? É um prazer conhecê-lo! – Detesto quando começam assim! Mau sinal.

– Igualmente.

– Eu estou aqui para combinar uma defesa com o senhor e o senhor Tresekos. Pra começar, eu peço para que o senhor pare imediatamente com as investigações.

Ai, sabia! Sempre que um advogado começa falando manso, ele vai te jogar uma bomba. Mas dessa vez eu não queria saber de desistir. Tinha algo cheirando mal nesse caso, tão mal que encobria até o cheiro de lavanda da mansão de Allan (que, aliás, com tanto perfume disponível pra um cara rico como ele, ele escolheu lavanda?). Eu já não estava mais nem pensando no dinheiro, apenas em desvendar o mistério. Eu peitei o advogado.

– Não mesmo! Tem algo estranho nesse caso e agora eu preciso descobrir o que é! Você sabia que o General Ivan Harback não morreu na guerra? Ele desertou. Ele morreu em outro lugar. E se ele voltou e foi assassinado aqui? Afinal, não possuem registros no Exército de qualquer tipo de punição, ele só consta como desaparecido.

O advogado se surpreendeu com a descoberta que eu fiz sobre o General Ivan Harback. Porém Allan não parecia surpreso. Eu comecei a encarar Allan e ele começou a parecer nervoso. Aí eu precisei falar.

– Allan, pelo visto, o senhor também tinha conhecimento dessa informação, não? Por que não me disse também?

– Eu não sabia que era importante.

– Tá virando personagem do Zorra Total, é? Só sabe dizer isso! Como você sabia disso?

– Detetive, isso não é o que importa agora.

– Escuta bem, senhor Allan. Você me contratou com uma teoria maluca na cabeça e eu fui o único que te deu ouvidos. Agora eu estou começando a perceber que isso é mais fundo do que parecia, mas não tenho nenhuma prova disso. Ou o senhor me diz tudo o que sabe, ou eu mesmo vou até a Polícia contar que toda a investigação foi baseada nessa sua ideia de comédia dos anos 90. Na frente da senhora Alice e tudo!

Allan mudou sua feição de esnobe para uma feição mais de preocupação. Ele respirou fundo e dispensou seu advogado, que relutou um pouco, mas foi embora. Após isso, Allan pediu que eu o acompanhasse até a biblioteca da mansão. Lá, ele foi a uma estante velha, sem muito uso, no canto. Abriu uma de suas gavetas e retirou uma caixa. Fiquei apreensivo ao ver essa cena, mas ele logo abriu a caixa e nela haviam papéis. Eram cartas escritas por Ivan Harback para Alice Harback.

– Como você conseguiu isso?

– Alice recebia cartas de Ivan por meio de um contato de confiança dele no Exército que ele tinha no país quando estava lutando. Eu via Alice recebendo essas cartas.

– Tá, mas como você conseguiu as cartas dela? Você ainda não respondeu.

– Na verdade, após a internação de Alice, eu vi esse rapaz procurando ela, conversei com ele e fiquei de entregar as próximas cartas a ela no hospital, mas nunca consegui entregar.

– Você ficou com elas todo esse tempo? Mesmo ela saindo do hospital?

– É, ela ficou muito abalada com a morte do marido. Tanto é que o velório dele foi fechado. Talvez por causa justamente dele ter desertado.

Opa! O velório foi fechado! Tá cada vez mais difícil achar alguém pra falar. Eu combinei de levar essas cartas para caso precisar na sabatina, em troca, Allan me fez prometer que descobriria a verdade e conseguir derrubar as medidas protetivas. Por que ele me pediu isso, sobre as medidas? Sei não, viu?

No dia seguinte, analisei as cartas de Ivan para Alice. Pelo que entendi, o câncer de Alice já estava diagnosticado antes dela dar entrada no hospital. Ivan mandava as cartas preocupado se a doença iria se espalhar. Numa delas, ele dizia que estava preocupado com Alice, que não estava mais respondendo suas cartas e, por isso, decidiu deixar a luta para vê-la. Aí então estava o primeiro elo. Ivan Harback desertou durante a guerra para ir atrás de Alice.

Porém, a carta que mais me chamou a atenção era uma que dizia o seguinte:

"...Acabei de chegar no país, não posso passar no quartel general, pois o que eu fiz pode fazer com que eu seja preso. Em alguns dias, estarei no hospital. Não vou mais deixar o dever ficar entre nós dois."

Só tinha um probleminha: essa carta era de um dia antes da Alice dar entrada no hospital. Pra falar a verdade, não tinha só essa carta de antes dela dar entrada.

E o que é pior, as cartas também não dão nenhuma pista do paradeiro de Ivan Harback antes de sua morte. Será que ele foi morto no hospital? Mas se ele foi morto no hospital, alguém teria chamado a polícia no dia, não? A não ser que tenha sido um crime perfeito.

Eram muitas suposições e teorias e pouco tempo. Então, decidi ir para um lugar onde eu poderia organizar minhas ideias do melhor jeito possível: a Padaria Nova Caledônia.

Eu sempre vou à Padaria Nova Caledônia quando tenho um caso muito difícil. Dessa vez, não era diferente. Entrei, sentei ao balcão de atendimento e logo veio o Seu Rogério, com um sorriso de orelha a orelha, me atender. O Seu Rogério é o dono da padaria. Ele gosta de mim como cliente porque acha que, um dia, eu vou aparecer nos noticiários que ele deixa passando para os clientes assistirem na padaria, gerando assim, publicidade pra ele.

– Fala JB! Vai pedir o que?

– Boa tarde Seu Rogério. Eu quero um pingado e um pão na chapa, só.

– Xiii! Tá pedindo café da manhã à tarde? Já sei, tá com mais um caso complicado.

– É, pois é. E o pior é que eu tenho pouco tempo pra resolver essa... Atchim!

– Ô Zé Maria, ou apaga o cigarro ou vai fumar lá fora! O cara aqui tem alergia, pô! Mas desembucha aí, JB. É sobre o que o caso?

– Não posso falar detalhes. Envolve gente importante.

– Ah, então daqui a pouco você vai aparecer aqui na TV. Olha, quando der a entrevista, tenta dar aqui na frente da padaria. Tá aqui o seu pedido. A vítima morreu do quê? Tiro, veneno, acidente?

– Não sei, não consigo achar nenhuma informação sobre a morte da vítima. Só sei que ele estava fora do país, aí voltou fugido e desapareceu. Depois disso mais nada, só a família dele que diz que ele morreu.

– Rapaz! No velório não tava o corpo dele?

– A família deixou o velório fechado.

– Então o cara tá vivo, pô! Não tem informação da morte do cara, não tem acesso ao corpo e só a família sabe onde tá enterrado? Além do mais, o que tem de homem que fica se fingindo de morto por aí. Tipo o Zé Maria. Né não, Zé Maria?

Esse Seu Rogério, sempre tenta dar o pitaco dele nos meus casos. Mas, pensando bem, talvez ele tenha razão dessa vez. Enquanto fui comendo meu lanche, fui pensando nessa linha de raciocínio e ela não parecia tão improvável.

Mas do jeito que a história está indo, se Ivan Harback estiver mesmo vivo, ou alguém da família ou o contato dele que entregava as cartas saberia o paradeiro dele. Só que Alice Harback não me quer por perto da família, só me sobra o homem que entregava as cartas. Só que eu não faço ideia de quem ele é, e mesmo se soubesse, ele é um militar, fazer ele depor em uma investigação não oficial seria muito difícil. Além do que, a sabatina é amanhã.

Então eu me toquei, a sabatina é amanhã. Se eu conseguir convencer o Capitão Gregade que Ivan Harback pode estar vivo, a Polícia iria supervisionar minha investigação, sendo mais fácil colher depoimentos. Terminei de tomar o lanche na padaria e fui agradecer o Seu Rogério:

– Seu Rogério, o senhor é um... Atchim!

– De novo, Zé Maria? Já falei que é perigoso ascender cigarro perto da chapa! Termina de falar aí, JB.

– Eu só quero agradecer porque você me deu uma ideia pro caso. Valeu!

– De nada, JB! Só não esquece de dar a entrevista aqui na frente da padaria, hein?

Voltei pro meu escritório pra montar minha argumentação. Tenho que ser bem cuidadoso, pois o Capitão Gregade é bem rígido quanto aos protocolos da Polícia.

Tá vendo só como a Padaria Nova Caledônia me ajuda?

Continua...