Jerry Bocchio – Detetive Particular – Capítulo III: O Cemitério Militar

Após a visita ao salão de beleza favorito da senhora Alice Harback, acabei descobrindo que Allan Tresekos estava me escondendo informações importantes sobre o caso. No final das contas, fiquei tão intrigado com essa descoberta que esqueci do principal, que era saber como eram os procedimentos do salão em Alice Harback.

O maquiador conseguia sim fazer perfeitamente um homem se passar por mulher. O Allan teve até trabalho para tirar toda a maquiagem. Porém, isso não era suficiente para comprovar a teoria maluca de Allan. Eu precisava de alguma prova palpável. Algo que demonstrasse que, de fato, tinha um doido que se inspirou em comédias de Hollywood dos anos 90 para executar uma vingança. Mas se o Allan continuar me escondendo informações, será impossível achar. Então, tive de confrontá-lo em meu escritório. Agora era o Allan que ia enfrentar um furioso Jerry Bocchio.

– Senhor Allan, como você pôde me esconder essas informações? Elas são muito necessárias para o caso! O fato de saber que Alice foi internada sem esperanças de sobreviver muda toda minha linha de investigação. Você acha que eu sou tão burro a ponto de não descobrir?

– Eu já disse que não sabia que eram importantes para o caso. Além disso, achei você meio burro mesmo desde a nossa primeira conversa.

Então, Allan achava mesmo que eu era burro. Eu só queria saber o que influenciou essa suposição dele. Mais uma vez eu estava diante de alguém que não tinha confiança em meus métodos. Talvez fosse por isso que Allan gostava tanto de me acompanhar em minhas investigações.

Allan percebeu que sua fala havia deixado um silêncio constrangedor e ficou incomodado, então tentou retornar ao assunto:

– Mas me diga, detetive: tem algo mais que gostaria de saber?

– Eu só quero mais detalhes sobre a internação de Alice.

– Bom, como amigo da família, eu tentei visitar Alice no hospital. Mas os enfermeiros me diziam que ela não aceitava visitas de ninguém. Eu fiquei sabendo que nem da própria família ela aceitava.

– Muito estranho, mas justificável. Talvez ela não quisesse que alguém tivesse uma última recordação dela sofrendo numa maca de hospital. Mas antes de ela ser internada, por que o senhor a acompanhava ao salão de beleza?

– Bom... Ela se sentia sozinha quando seu marido estava lutando na guerra. Eu costumava passar as tardes dando companhia a ela.

– Você ia até a casa dela?

– Olha, detetive... Sim! Eu ia pra tomar café com ela. Mas era só isso. Aí, quando era dia dela ir ao salão, eu deixava ela lá e ia pra minha casa.

– Só mais uma pergunta: ela adoeceu antes de ficar sabendo da morte de Ivan ou depois?

– Antes. Só que a morte de Ivan aconteceu bem na época da recuperação de Alice.

– OK, vou encerrar minhas atividades nesse caso por hoje então.

– Como assim? Não vai investigar nenhum lugar hoje?

– Olha, senhor Allan, isso foi muita informação nova. Preciso processar tudo um pouco pra traçar uma nova estratégia. E como eu sou meio burro, preciso de, pelo menos, um dia inteiro pra isso.

– Ai, detetive, sinto muito se você se magoou com o que eu disse. Eu reconheço que você tem métodos de investigação e de raciocínio um tanto quanto heterodoxos, então deveria saber que isso causa um estranhamento nas pessoas.

– Olha só! Agora fica me chamando de metido a hétero top!

– O que? Não tem nada a ver uma coisa com a outra! Ah, quer saber? Eu estou achando melhor a gente seguir amanhã mesmo.

Allan se levantou e saiu do meu escritório. Era exatamente isso o que eu planejava, pois minha intenção, na realidade, não era de continuar no dia seguinte, era de continuar sem o Allan. Allan era reconhecido por todos, isso atrapalhava minha investigação. Além disso, com essa história contada por ele hoje, percebi também que Allan estava muito envolvido no caso. Esse envolvimento afetivo também poderia atrapalhar.

Com Allan fora do meu caminho, era hora de pensar em alguma outra linha de investigação. Eu poderia tentar o hospital onde Alice foi internada, mas esses médicos não gostam muito de falar sobre seus pacientes. Eles ficam falando que tem a ver com uma tal de ética. Nunca entendi essas coisas.

Talvez o cemitério onde Ivan está enterrado poderia dar uma pista. Se eu conseguir as informações de quem foi no velório, quem fez o discurso ou quem organizou, talvez eu consiga a informação de alguém estranho aparecendo lá. Alguém que procura vingança, quando fica sabendo da morte daquele que considera ser seu algoz, costuma aparecer no velório pra comprovar. Vi muito isso nos filmes. É só uma suposição, mas é o que tenho pra hoje.

Eu me lembrei que Allan havia me dito que militares e seus familiares tinham direito a um cemitério exclusivo. Pesquisei na internet qual era na cidade e encontrei o Cemitério Militar. Bem óbvio, não? Ele contava com tudo, inclusive uma administração com um cartório anexo ao lado do cemitério para as certidões de óbito. Então decidi que era lá que eu ia para buscar mais alguma pista.

Fui à noite para evitar chamar muito a atenção. Pensei que era só chegar lá e procurar o túmulo, mas não, parece que você precisa se identificar também pra administração. Eu não sabia que funcionava desse jeito. Aliás, eu não sabia como nenhum cemitério funcionava porque nunca fui em um. Sempre tive medo. No balcão da administração estava apenas um senhor que era o responsável pela identificação. Ele sempre falava de um modo firme e direto, como um militar. Já começou perguntando o meu nome e o que eu ia fazer ali aquela hora da noite. Então precisei inventar mais um disfarce. Comecei a dar uns soluços e fazer cara de choro. Aprendi a fazer isso num tutorial do YouTube que ensinava a disfarçar tristeza.

– Meu nome é Rubens Augusto Marchiello. Eu vim aqui prestar homenagem ao General Ivan Harback. Eu fiquei sabendo recentemente sobre a morte dele.

– O senhor é alguém próximo a ele?

– Eu não diria próximo, mas ele foi um homem que marcou a minha vida. O General Ivan Harback me tirou do mundo das drogas e me colocou no exército fazendo eu tomar jeito na vida – uma história grandiosa e que agrada o interlocutor sempre ofusca uma mentira, aprenda isso.

– O General Ivan Harback nunca trabalhou no alistamento – OK, dessa vez não foi do jeito que eu esperava devido a essa informação.

– Aaaah... É que ele abriu essa exceção pra mim. – Comecei a aumentar a frequência dos soluços – ele tinha esse dom de ver disciplina nas pessoas e ele enxergou isso em mim.

– O General Ivan Harback era um militar reservado, não gostava de ficar fora de seu gabinete – que cara chato! Ele tem resposta pra tudo. Esses militares...

– Aaaah... É que eu disse que eu era uma exceção, né?

– Escute aqui, rapaz, eu só não te chuto pra fora daqui porque o General Ivan Harback não está enterrado neste cemitério.

Mais uma informação nova escondida de mim. Fiquei tão surpreso que até saí do personagem.

– Não? Como assim?

– O General Ivan Harback desertou durante a guerra e perdeu seus benefícios como militar. Agora, senhor Rubens, se é que é esse mesmo o seu nome, dê o fora daqui!

Além de chato, ele era bem esquentadinho também. Talvez fosse pelo fato de trabalhar à noite. Já vi muitos médicos falando que não se deve trocar o dia pela noite porque aumenta o estresse, eu acho.

Enfim, durante a guerra que o Ivan lutava, Alice adoeceu e ele desertou. Além disso, no hospital, Alice não deixava ninguém visitá-la. Eu saí do prédio da administração desconfiado de que esses eventos possuem algo em comum. Eu estava na calçada matutando sobre isso quando me assustei com uma voz de uma mulher:

– Bisbilhotando na minha vida, Jerry Bocchio?

Era Alice Harback. Dei o azar de ir até lá bem num dia que ela ia visitar o túmulo do marido... Opa! O marido não estava enterrado lá! O que ela estava fazendo ali?

– Olha, senhora Alice, se a senhora veio visitar seu marido, está perdendo tempo. Ele não está enterrado aqui.

– Mas você é muito burro mesmo! Você acha que eu não sei onde meu marido está enterrado? Eu vim até aqui porque eu quero saber porque estou sendo investigada. Você tem o dever de me falar!

Será mesmo que eu conto a teoria de Allan? Ainda bem que eu não sou engessado pelas instituições governamentais.

– Eu? Investigando a senhora? Não, eu vim aqui porque... porque... eu vim visitar o túmulo do meu superior na polícia...

– Você foi até o meu clube, depois foi ao enterro do meu cachorro, depois até o meu salão de beleza e agora está na porta do Cemitério Militar, com certeza presumindo que meu marido estivesse enterrado ali. E muitas vezes com aquele enxerido do Allan Tresekos. Aquele idiota fica me mandando mensagem direto desde quando saí do hospital. Você não está pensando que eu matei o meu marido, está?

Droga! Eu sabia que essas pessoas reconhecendo o Allan iam acabar me atrapalhando.

– Olha, como eu sou um detetive particular, e não da Polícia, eu não preciso ficar dando satisfação sobre minhas linhas de investigação. Então, se a senhora me der licença, eu preciso voltar ao meu escritório pra encerrar o dia.

– Está bem então, detetive! Eu vou tomar providências para que o senhor se mantenha longe de mim e da minha família.

Olha só! Ela veio me ameaçar sozinha, sem nenhuma autoridade por perto. Pelo visto eu estou no caminho certo. E ela está fazendo alguma coisa errada. Tomei meu rumo e voltei pra casa tentando imaginar alguma ligação entre os eventos que eu descobri.

No dia seguinte, quando fui abrir o escritório, tinha uma pessoa me esperando na porta. Na hora me deu um receio, mas era apenas meu antigo parceiro da Polícia, Thomas Mangalvo. Thomas era o único que entendia meu raciocínio lá dentro e apreciava muito meu jeito de trabalhar. Ele gostava de ser meu parceiro e dizia que nós éramos a dupla de amigos Tom & Jerry, baseado no desenho do gato e rato. Isso indica apenas uma coisa: ele nunca assistiu Tom & Jerry.

– E aí Jerry, beleza?

– E aí Tom? O que o traz aqui? A Polícia precisa de ajuda minha? Eu estou num caso mas posso ver um espaço.

– É, eu tô sabendo. Você está investigando a senhora Alice Harback, né?

– Ué, como assim? Como você está sabendo disso? E a sua cara ainda me indica que você vai me dar más notícias.

– É, pois é, Jerry. A senhora Alice Harback foi na Polícia hoje de manhã pedir medidas restritivas contra você.

– Ai, que droga! Quer dizer que eu vou ter que passar por aquilo de novo?

A nossa Polícia, quando recebe uma solicitação de medidas restritivas contra um detetive particular, solicita uma sabatina a ele para saber detalhes sobre a investigação. Se ela acha a investigação pertinente, ela autoriza a investigação com supervisão dela, mas se não achar, ela defere as medidas restritivas.

– Mas não se preocupa não, Jerry! Eu vou fazer parte da sabatina. Como eu já te conheço, eu posso convencer a autorizar.

– E quem vai ser o outro?

– O Capitão Gregade.

Essa não! O Capitão Lester Gregade é aquele que eu disse ao Allan que era meu capitão, que eu falei que também ficava falando "ai meu Deus, ai meu Deus" pra todo lado. Ele sempre foi muito rígido em relação às regras da Polícia. Ou seja, agora eu precisava mesmo de uma prova palpável e convincente.

– Ah, que legal, Tom! Agora eu me ferrei de vez!

– Ué, sua investigação tá muito parada?

– Eu só tenho uma teoria maluca e nenhuma prova.

– Caramba, Jerry! Então você precisa pôr sua genialidade pra funcionar rápido. A sabatina é depois de amanhã. Eu até me ofereceria pra ajudar, mas vou participar da sabatina, então não posso me envolver.

E agora? Não pretendo desistir, mas tenho só hoje e amanhã pra conseguir algo. Espero que Tom esteja certo em relação à minha genialidade.

Continua...