A GUERRA ENTRE AMIGOS IMPORTANTES
A GUERRA ENTRE AMIGOS IMPORTANTES
Carlos Roberto Martins de Souza
O “Shopping Corpo” cumpria sua trajetória de existência, um grande centro de atividades, nas suas lojas de conveniência, alguns produtos eram essenciais para a manutenção do empreendimento. Alguns, em maior ou menor grau, poderiam até ser fechados que a coisa funcionaria à contento. Lojas como “Braço”, “Perna”, até a “Pênis” poderiam encerrar suas atividades, ainda assim, o centro comercial continuaria funcionando. A coisa ia bem, mas uma reunião de condôminos fez a coisa feder, abriu-se uma guerra de acusações, cada um querendo ser maior e mais importante que o outro. O síndico, o cidadão “Espírito”, resolveu ouvir as partes na tentativa de solucionar o problema. O “Sangue", que corria por todos os corredores do empreendimento, foi logo dizendo ser o cara, o mais útil, pois caso não circulasse, até o “Parque de Diversões”, seria seriamente afetado. O agitado “Coração”, inquieto no seu apertado ponto de comércio, começou a contar vantagem, se gabando da sua utilidade, dizendo que era o órgão mais importante. Apresentou um rosário de argumentações, afirmou que sem ele o “Shopping Corpo” pararia, pois, literalmente, dava pernas para o sangue circular para que os outros órgãos pudessem trabalhar. Esnobou ao dizer que sem ele, a central de monitoramento, localizada na “Cabeça" entraria em pânico. O “Nariz", fornecedor de ar, irritado, disse que se fechassem suas cavidades, levaria todo o centro comercial à falência, ele exigiu ser tratado como o mais valioso. A reunião esquentou, e o tempo fechou. A “Boca", loja de trituração e ponto de entrada, disse que se fosse humilhada, fecharia as portas, e ninguém sobreviveria. Eu e meus sócios, os “Dentes", somos capazes de muito estrago. O “Pulmão”, por sua vez, ocupando o maior espaço do centro comercial, resolveu se pronunciar, indignado também disse que era o mais importante, pois o que seria dos outros departamentos sem oxigênio que ele purificava e fornecia? Acho bom pensarem duas vezes, falou ele irritado. Como reunião de condomínio nunca sai todo mundo satisfeito, o “Cérebro”, lá no último andar, decidiu chamar para si as atenções, afinal, estava no topo, por cima de todos. Vendo a situação se acirrar, ele entrou na disputa, afirmando que controlava o funcionamento de todos os negócios do o empreendimento, o “Shopping Corpo”. Tinha lá suas razões. A coisa virou uma guerra de exaltação ao eu, xingamentos, gritos, ameaças, tudo estava presente, o clima era tenso. A dimensão do conflito foi aumentando cada vez mais, pois quem estava localizado em setores com menos visibilidade resolveram entrar na briga, assim o “Fígado”, uma loja de purificação, comprou a briga e disse que entraria em greve, caso não dessem a ele o devido respeito e tratamento. A situação se agravou, pois o “Intestino”, com toda a sua sujeira, ameaçou romper o acordo com os demais, disse que azedaria tudo, iria botar tudo a “feder". Da mesma forma o “Rim” entrou na guerra, na disputa, também afirmando que era o mais importante. Nem foi ouvido. Quando o clima fugia do controle, com troca de amabilidade entre todos, ouviu-se lá no fundo da sala um som estranho, um assovio que chamou a atenção, era algo sem expressão, parecia um PUM. E era. Para surpresa de todos, o “Ânus”, como parte do negócio, queria se manifestar, mesmo estando numa localização muito inferior. Sei que sou desprezível, sou apenas a porta de saída, me chamam até de “Humor- róida", disse. Foi um silêncio fúnebre, pois o ar ficou carregado. Desconcertado com sua posição, usado como setor de remoção do lixo do corpo, seguiu com sua argumentação acompanhada de um hálito fétido, podre, fedendo a carniça. Foi uma cena impressionante, cômica, os outros órgãos caíram na risada, foram ouvido gargalhadas por toda a parte. Pediram para ele fazer uma faxina, eles esperariam, do contrário a reunião seria suspensa, ou que ele calasse a boca, pois a discussão era entre “condôminos” importantes. Num gesto incomum, veio outro som estridente, com um outro pum, afirmou que também era muito importante, e neste momento as risadas aumentaram. Diante disso, o “Ânus”, se sentindo humilhado, ficou magoado e declarou greve geral, fecharia seu negócio. A reunião foi encerrada por falta de consenso, o importante não foi importante. Na manhã seguinte, com ar de gozação, de superioridade, os condôminos “importantes” menosprezaram o vizinho “Ânus” dizendo que já fazia um dia que ele não trabalhava e o Shopping Corpo Humano estava funcionando perfeitamente. Todos seguiram suas rotinas, parecia tudo normal, porém, três dias após o início da greve, os condôminos “importantes” deixaram de funcionar devidamente. Começava o pânico, pois gases eram acumulados, fezes também, colocando todo o empreendimento em risco iminente de colapso. O que fazer? Reunião geral foi convocada, e em minutos, num ato de humilhação, fizeram um abaixo assinado onde reconheceram a importância do vizinho de baixo e pediram perdão ao “Anus”, suplicando para que voltasse ao trabalho, pois ele recebeu o reconhecimento merecido. Fica a lição, não despreze os menos favorecidos, os que vivem em locais pouco atraentes, pois podem ser a solução de muitos problemas.