Jerry Bocchio — Detetive Particular – Capítulo I: O caso

Meu nome é Jerry Bocchio, trabalho como detetive particular. Os clientes que vêm até mim costumam me mandar casos que a polícia rejeita por achar que não tem importância. Porém, todos os casos têm alguma importância: furtos de lojas, gatos de água, luz ou internet, plágios entre outros.

Naquele dia não foi muito diferente. Estava eu, sossegado em meu escritório, quando um homem aparentemente muito rico entrou na minha sala. Ele estava um pouco assustado, talvez pela luz baixa que eu deixo no meu escritório — eu vejo nos filmes que isso passa uma boa impressão ao cliente.

Após se sentar na cadeira em frente à minha mesa, ele logo começou a falar:

— O senhor é Jerry Bocchio?

— Quem é que me pergunta?

— Meu nome é Allan Tresekos.

Allan Tresekos é um importante empreiteiro no país. Dono de muitas empresas que mexem com construção civil.

— O que um homem como o senhor faz aqui no meu escritório?

— Infelizmente, a polícia não acredita no meu caso. Estão pensando que estou louco. Então fiquei sabendo de seus trabalhos e me interessei.

— Conte-me mais.

— Eu desconfio, aliás, desconfio não, tenho certeza de que uma senhora que frequenta mesmo clube que eu é, na verdade, um homem disfarçado.

— Opa, Opa! Pode parar por aí! No meu escritório não tem espaço pra preconceito!

— Como é?

— Poxa vida, senhor! Estamos no século XXI! Existem mais de dois gêneros, atualize-se!

— Não é nada disso que eu estou falando, detetive! Eu conheço essa senhora desde quando eu era criança. Só que de uns tempos pra cá eu percebo algo diferente na atitude e na aparência dela.

— Aaaah! Então tá, pode continuar.

Para continuar a ouvir, peguei um cigarro e comecei a dar um trago. O problema é que logo depois do primeiro trago eu comecei a tossir demasiadamente.

— Está tudo bem, detetive?

— Não, não (cof)... Tá tudo bem (cof)! É que eu não fumo (cof, coooof).

— Se você não fuma, por que pegou esse cigarro?

— É que causa uma boa impressão pra um detetive (aaaa-ham). O senhor não vê isso nos filmes (cof, cof)? Mas pode continuar a história (aaaa-ham).

— Certo... Então, o nome dela é Alice Harback, ela é uma amiga da minha família. Eu estou preocupado porque ela é viúva do General Ivan Harback. Talvez algum inimigo antigo dele tenha aparecido e...

— Atchim! Atchim!

— Tossir por causa de cigarro eu vejo muito, agora espirrar, aí é nova.

— Ai... É que fumaça de cigarro ataca a minha rinite. Mas não se preocupa não porque eu tenho um antialérgico aqui na minha gaveta.

— Você toma antialérgico assim? Tem a receita pelo menos?

— Ué, pra que eu preciso de receita se eu posso comprar um pronto na farmácia?

— Meu Deus, eu não acredito que ouvi isso!

— Além do mais, deve ser muito caro comprar os componentes e os frascos pra fazer...

— É receita médica que eu tô falando! Aquele papel que o médico te dá autorizando você a comprar um remédio e instruindo como tomar.

— Aaaah! É receita o nome disso? Caramba! Pra que dar o mesmo nome, né? Já pensou se a indústria da confeitaria descobre isso? Pra comer bolo, você só vai poder se tiver receita assinada por um confeiteiro. Gente, isso ia ser...

— Você vai ouvir a história ou não, detetive?

— Tá bom, Tá bom! Desculpa! Pode falar.

De fato, a história dele parecia muito maluca mesmo. Ele acreditava que um velho inimigo do General Ivan Harback havia matado Alice Harback e assumido o lugar dela na família para completar sua vingança. Um chapéu de alumínio cairia bem na cabeça desse homem.

Mas minha intuição, ah, minha intuição, me dizia para pegar o caso. Bom, talvez não fosse tanto minha intuição assim, mas a minha ganância disfarçada, já que era um caso que envolvia a alta sociedade. Mas ouvi minha intuição falando que a voz da intuição que eu ouvi era a minha intuição de verdade e resolvi aceitar o caso. E minha intuição, ah, minha intuição, essa raramente errava.

O plano era o seguinte: eu iria com Allan até o Clube Cerejeiras na festa de aniversário de um dos membros. Allan diria que eu sou convidado da família dele. Eu, com meu conhecimento sobre a alta sociedade, tentarei sociabilizar com alguns membros pra não levantar suspeitas. Quando eu avistar a Senhora Harback, eu tentaria chegar perto para verificar algum ponto que corroborasse a suspeita de Allan.

Tudo começou bem como o planejado. Allan veio me buscar em meu escritório, me levou a seu alfaiate para me emprestar um terno e de lá fomos ao clube. Allan me apresentou como Rafael van Treven. Logo chegou um outro frequentador do clube para falar com Allan.

— Allan, meu amigo! Que surpresa ver você aqui no clube numa quarta feira! Por um acaso esqueceu de pagar a mensalidade e veio quitar a dívida? – Disse o sujeito com um ar completamente esnobe.

– Não, Marcelo. Na verdade vim aqui para apresentar o clube a um amigo meu. Deixe-me apresentá-lo: Marcelo, esse é Rafael van Treven. Rafael, esse é Marcelo Rubino, dono da Alfaiataria Rubino.

Chegou a minha hora de brilhar na atuação.

– Ah, claro, a Alfaiataria Rubino! É um prazer conhecê-lo!

– O prazer é todo meu! Me diga, van Treven, pelo seu sobrenome, suponho que sua família veio da Europa, correto!

– Claro! Meu avô era um comerciante muito conhecido na Suécia.

– Suécia? Pensei que sobrenomes com van vinham da região da Holanda, Bélgica ou próximo.

– Aaaah! É que ele morava perto da fronteira.

– Suécia fazendo fronteira com a Holanda?

Eu não sabia que os ricos gostavam tanto de geografia. Se eu tivesse suspeitado disso na infância, com certeza tinha me esforçado mais nessa matéria e hoje teria dinheiro. Pra minha sorte, avistei Alice Harback sentada a uma mesa perto da janela, completamente isolada e mexendo no celular. Deixei Marcelo e Allan, que por algum motivo estava com as mãos no rosto dizendo "meu Deus", e fui até uma mesa ao lado de Alice.

Alice pôs o celular no ouvido e começou a falar. O bom de clubes de gente rica é que eles falam muito baixo, então, se eu quiser me concentrar na conversa alheia, é só eu direcionar minha audição, que é muito boa, por sinal. Pra se ter uma ideia, eu consigo localizar uma barata no meu escritório apenas ouvindo seus passos, assim eu consigo fugir mais rápido.

Alice falava com muita veemência ao telefone:

– Sim, Jack já foi sacrificado. Não se preocupe, eu sei como ele fazia bem pra família, fiz questão que ele não sofresse mais. Diga às crianças que ele foi para um lugar onde não vai acontecer nada de ruim a ele. Vamos enterra-lo assim que essa reunião do clube acabar. Eu te passo o endereço.

O maluco do Allan estava certo, ou quase! Aquela mulher havia matado um membro da família e agora queria mentir sobre seu fim. Como foi fácil, eu só precisava pegar o endereço do cemitério onde ocorreria o velório e desmascarar aquela velha na frente de todos.

O velório aconteceu no Cemitério São Francisco de Assis. Eu chamei Allan Tresekos para vir comigo para testemunhar o caso sendo solucionado. Allan estranhou e disse que aquele cemitério não era o cemitério que a Família Harback costumava enterrar seus membros. Segundo Allan, como Ivan Harback era um oficial do Exército, eles tinham direito a um cemitério exclusivo. Rapaz, agora que eu estou aqui falando com você, eu tô percebendo. Como esse Allan sabe tanto detalhe dessa família?

Chegamos ao cemitério bem na hora que haviam enterrado o caixão. Os dois netos de Alice Harback, Enzo e Rebeca, choravam em volta da avó. Alice mantinha sua feição seria, com o queixo erguido. Mal sabia ela que eu iria derrubar aquele queixo – no sentido de deixar surpresa, sem violência, ah, você entendeu.

– Alice Harback, parada! A senhora está presa!

– Você pode dar voz de prisão, detetive? – perguntou Allan, estragando minha entrada.

– Posso saber porque estou sendo presa?

– Pelo assassinato de Jack Harback!

– Você matou o Jack, vovó? – perguntou Rebeca.

Agora eu havia pegado ela de jeito, no bom sentido! Então continuei dando seguimento ao meu excelente trabalho de detetive:

– Sim, ela matou Jack Harback! Ele sabia de algo que ela queria esconder e então ela sacrificou Jack Harback...

– Pare de chamar ele de Jack Harback! O nome dele era só Jack – Alice me interrompeu de um modo desesperador.

– Ah, é? Você não considerava ele da família?

– Não é isso, seu idiota! Jack era o nosso cachorro! – Alice me respondeu apontando para uma placa com o nome do cemitério que dizia: "Cemitério de Animais São Francisco de Assis" – Eu sacrifiquei ele porque ele estava muito doente, mas não queria dizer isso para meus netos! Foi você quem trouxe esse idiota, Allan?

Allan não conseguia falar outras palavras que não fossem "ai meu Deus". E eu havia cometido um erro. Um silêncio sepulcral tomou conta do ambiente, quando resolvi falar:

– Aaaah! Bom... Talvez esse cachorro tinha uma segunda família.

E agora? Por causa de um erro, me expus à investigada. Agora ela sabe que tem um detetive brilhante no pé dela e vai fazer de tudo para atrapalhar minha investigação.

Continua...