CONHECEM A “PRINCESS”?

Crônica/Humor

A noite mal começava e as pessoas, aos poucos, chegavam ao recinto.

Ali nem todos se conheciam e, naquele local, a proposta era apenas discutir tópicos de novidades do mercado multiprofissional.

Algo que se tornou um desafio.

Dentre o tilintar dos copos e o aroma da gastronomia, a criatura ali chegou como se fosse íntima conhecida de todos.

A passos firmes , ancorada nos seus saltos altos titubeantes, logo se nos apresentou quebrando o clima reinante:

-Boa noite, gente !-disse a todos , claro, mas sacudindo apenas a mim!

-Menina, acho que te conheço de algum lugar!-me disse super convicta"- adorei ter te conhecido , querida!

Não, não era verdade. Sou boa fisionomista e eu, com certeza, me lembraria duma criatura tão marcante.

Além do mais eu não era querida. Ninguém ali era. Éramos apenas plateia.

E, olhando para o restante da mesa, logo anunciou:

Sei que todos me aguardavam ansiosos, mas quase que não consigo chegar, venho duma longa e exótica viagem, porque vocês todos já me conhecem, sou pobre, mas não gosto de nada trivial. Rica e de renome é a minha família!

Não demorou muito para que eu percebesse que a noite prometia grandes assombros e, com toda certeza, também me valeria uma boa crônica.

Assim que me recuperei da tontura daquela sacudida, pude registrar, com toda curiosidade, o que ali se seguiria. Seria duma surrealidade a toda prova!

E a criatura continuou:

-Vocês já sabem, não comprei nada nessa última viagem porque sou uma criatura super econômica, e além do mais, os tempos estão super difíceis; O pouco que me sobra aplico na Bolsa.

Apenas comprei um básico "Overcoat DIOR", de R$ 30.000,00, para a minha maravilhosa e divina Princess, que é uma menina super simples que até faz serviço voluntário num País de primeiro mundo, lá onde reside.

Eu sou super pobre, mas a minha Princess merece esse meu sacrifício…ela é tudo pra mim...

Suspirei.

Confesso que minhas resistência e resiliência já foram bem mais maleáveis e robustas para a atual grandeza desse mundo.

Mesmo que me soprem um texto!

Hoje em dia tudo é muito grande e , vez ou outra, sinto que a aparência grandiosa me deixa algo flutuante no embrulho da grandeza alheia “nonsense”.

E seguiu:

-Sabe, tenho hábitos simples demais mas a família da minha Princess, que também é a minha família, jamais ficará pobre…nem que queira ficar!

Por isso eu fiz questão de ensinar a ela sobre a importância de se ter consciência de mundo, já que minha parenta, a mãe da Princess, é duma vaidade insuportável e nunca se importou em mostrar à minha Princess a dureza desse mundo.

Só porque é milionária acha que não precisa ensinar valores humanitários.

Dei mais um suspiro para tomar fôlego.

Algo bem assombrado.

A mesa já havia percebido a minha inquietação, confesso, embora super bem-humorada.

Afinal, a criatura me dava o texto de mão beijada. Mas só argumentei:

-É mesmo, dinheiro algum aceita desaforo...nem o dos pobres.😅

E seguiu ela descrevendo sua "Princess".

-De fato, nunca vi um ser mais humilde que minha "Princess" em toda minha vida! Nunca se valeu do grande Império da nossa família. Socorre os “homeless” lá de fora, os sob a neve, com um coração super quente, do tamanho dum trem!

De repente, alguém lhe perguntou:

-Você tem filhos?

-Deus me livre! Sou viúva. Mas tenho a Princess! Meu tesouro!!

E em altas gargalhadas concluiu:

- E olha, fiquei sozinha mas...antes ele do que eu!

Senti que a mesa levou um susto com a dedução, assim, tão na Lata!

Eu, àquela altura, já havia percebido que algo fugia do controle, mesmo assim desafiei a lógica e coloquei minha dúvida:

-Escuta, você perguntou à Princess se ela queria mesmo um “Overcoat Dior”? Talvez um Prada fosse mais casual. É que a sua peça de vestuário parece não combinar muito com a tamanha simplicidade , invejável, da sua Princess!

Todos os olhos, bem curiosos, se viraram simultaneamente para mim.

Mas ela terminou a minha crônica super tranquila:

-Nem perguntei, imagina, eu já sabia a resposta; simples como ela é, com o coração que minha Princess tem, com toda certeza nem vai usá-lo, vai doar o Dior a alguém mais necessitado…

Tem hora que a gente não acredita no que ouve. Parecia uma cena de ficção…

Há situações que desafiam a maior boa vontade em se ser gentil, paciente …educado e empático.

E já aviso: não sou a Princess e nem sou humilde como ela! Sou apenas gente que sente!

Já a vaidade, muitas vezes patológica, parece nublar o entendimento para todo o sempre.

É por isso que observo e escrevo…e também subscrevo as crônicas que me chegam prontas.

Ao menos para tentar entender e aguentar a atual grandeza insuportável do mundo…

Um lugar no qual não caibo, repito, o modelo fica super folgado em mim, nem se fosse eu a maior Princess do Planeta!

Vaidades mundanas que…se configurarem doença incurável…que nos venha a cura milagrosa urgentemente.

Ah, antes que eu me esqueça: vocês , ao menos, conhecem alguma “Princess”?