A Síndrome de Humorista do SBT

Flávio era um empregado dedicado. Bastante metódico, ele seguia uma rotina pontual de sua casa para o trabalho e do trabalho para sua casa. Acordava, assistia o noticiário de manhã enquanto tomava o café da manhã, um pão torrado no forno feito com o pão que sobrava do dia anterior e um copo de café com leite, saía assim que o noticiário acabava e ia para o ponto de ônibus do lado de sua casa. Na volta, descia três pontos antes para passar na padaria, comprava quatro pães, e ia andando por uma praça até chegar na esquina de sua casa.

Um belo dia, Flávio fez sua rotina normal de manhã, só que ouviu uma notícia estranha do noticiário:

"E atenção! Acabamos de receber uma notícia de última hora de que cientistas detectaram a circulação de um vírus chamado Noniocus-04. Esse vírus é o causador da síndrome de humorista do SBT. Essa é uma doença recém descoberta, portanto, as informações sobre os sintomas e a cura ainda não foram confirmadas. O que é recomendado pelo Conselho de Saúde é que se mantenha a higienização e evite ficar próximo de pessoas que estejam agindo estranho. A nossa equipe vai apurar para obter mais informações durante o dia."

Flávio se assustou com a notícia. Ele olhou pela janela e viu que as pessoas andavam normalmente pela rua. Pensou que, talvez, o noticiário tivesse fazendo um pouco de sensacionalismo. Mas, por via das dúvidas, pegou seu álcool em gel e ficou de procurar mais sobre isso na hora do almoço.

A viagem de ônibus para o serviço foi normal. Foi para seu lugar no escritório e começou seu trabalho normalmente. Seu colega, Roberto, chegou logo em seguida. Roberto sempre foi discreto, mas naquele dia ele havia chegado com uma camisa amarela da cor de uma caneta marca-texto e uma gravata com um nó folgado, quase chegando no peito. Roberto sentou na cadeira, pôs a maleta na mesa, fez um batuque com uns três ou quatro tapas na mesa e disse em uma voz muito alta: "Segunda feira me deixa louco!"

Flávio olhou para aquilo muito perplexo. Eles estavam numa quarta feira. A atitude de Roberto chamou demais a atenção de Flávio, que não aguentou e foi falar com ele. Flávio foi à mesa de Roberto e disse: "Bom dia Roberto! O que aconteceu que você mudou de estilo do nada? Antes vinha com camisa branca, agora tá aí, chamando atenção."

"Eu só quero levar alegria, Flavinho!" Respondeu Roberto de um modo completamente espalhafatoso.

Flávio achou estranha a atitude de Roberto dentro do escritório, mas não quis se intrometer muito na decisão do colega. Só deu um aviso: "Bom, você é quem sabe. Mas só dá uma apertada nessa gravata porque o chefe não gosta de gravata frouxa desse jeito."

"Aqui é só a gravata que é frouxa, frescurento!" Respondeu Roberto mais uma vez de um jeito espalhafatoso.

Flávio voltou para a sua mesa com uma feição de desconfiança. Talvez Roberto estivesse querendo pregar uma peça, mas isso não era normal do Roberto. Foi quando ele lembrou da notícia que havia visto pela manhã. Ficar longe de pessoas que estivessem agindo estranho, síndrome de humorista do SBT... Será que era isso o que estava acontecendo? Flávio pegou seu celular e foi para o banheiro.

No banheiro da empresa, Flávio pesquisou mais sobre esse assunto e deu de cara com um alerta do Conselho de Medicina que dizia: "A síndrome de humorista do SBT não é uma doença letal, mas torna a convivência com o infectado impossível. Ela age no sistema nervoso do infectado, fazendo ele começar a agir de modo espalhafatoso, falando frases forçosas para parecer engraçado. Alguns podem agir como se fossem personagens de um programa de humor de segunda linha. Se tiver alguém agindo assim no trabalho, na escola ou em qualquer outro lugar de convivência, se retire do local e chame o serviço de emergência, pois o vírus Noniocus-04 se espalha com muita facilidade."

Flávio lembrou da atitude de Roberto. Roberto era sério e começou a agir estranho de um dia para o outro. Para não causar muito alarde na empresa, decidiu falar com o RH.

Quando Flávio saiu do banheiro, percebeu que o escritório estava mais vazio. Pelo visto, alguém já tinha tomado a atitude de sair. Ao abrir a porta da sala do RH, viu que estava apenas uma funcionária em sua mesa, Glória. O que estava estranho é que ela estava vestida de um modo um tanto quanto revelador. Um decote bem aberto e uma saia curta muito justa. O problema é que ela era uma das que costumava notificar alguma funcionária que fosse vestida de modo parecido.

"Nossa, Flávio! Que bom que você apareceu!" Disse Glória enquanto se levantava da cadeira e ia em direção a ele. Glória também falava de um modo estranho. Parecia forçar uma sensualidade que não cabia naquela situação. Flávio, com medo de que ela talvez também estivesse infectada, deixou apenas uma fresta da porta aberta.

"Olha... Eu preciso sair mais cedo. É por causa do... Meu... Da obra na minha casa." Disse Flávio. O medo que ele sentia na situação não deixou ele arrumar uma desculpa melhor.

Flávio saiu correndo do escritório. Queria voltar pra casa o quanto antes, pois não queria passar por uma doença tão estranha. Além disso, ele também detestava o SBT.

Quando Flávio foi chegando ao ponto de ônibus, viu algumas pessoas paradas fazendo caretas. No meio delas estava um homem mais velho vestido de mulher e aparentemente sem dentadura. Flávio pensou isso devido ao fato de que a careta que o homem fazia, ele comprimia muito a boca fazendo o queixo subir, como se não tivesse dentes.

Flávio se assusta com a visão e solta um grito. O grito de Flávio chama atenção das pessoas no ponto de ônibus que começam a ir até ele falando coisas esquisitas. Isso faz com que Flávio corra na direção contrária para fugir das pessoas. Depois de virar uma esquina, Flávio despista quem estava atrás dele. Ele logo decide voltar para a casa a pé para evitar lugares fechados como um ônibus.

Passando pela praça que é caminho de sua casa, Flávio vê que os bancos estão todos ocupados por senhores de idade de cabelos grisalhos, cada um deles lendo um jornal. Aquilo nunca foi visto naquela praça. A cada um que ele passava, o homem sentado falava forçando uma voz fina: "Ei, você por aqui!"

Flávio então aperta o passo e mais uma vez é perseguido. Ouvindo frases como "Vai embora não!" E "Como você está?"

Aquela situação parecia ser mais assustadora do que engraçada. Flávio corre em direção à padaria e despista os que estavam correndo atrás dele. Porém, na padaria, ele ouve a voz do dono forçando um sotaque português: "Ora pois, rapaz, gostaria de um sonho?" Flávio se vira com um rosto apreensivo para trás e vê o dono da padaria com um bigode falso enorme em seu rosto.

"Eu sonhei hoje que meus dentes estavam a cair". A piada mais óbvia para essa situação. A diferença é que a televisão que fica na padaria agora mostrava uma gravação de uma plateia dando risada, uma claque. Flávio dá um grito e corre em direção à sua casa.

Chegando em casa, Flávio encontra sua esposa, Sandra. Ela não parecia estranha. Flávio perguntou porque ela não tinha ido ao trabalho e Sandra respondeu que havia pegado uma gripe e que não conseguiu sair para trabalhar. Flávio então respira aliviado e explica a situação para ela.

Os dois decidem ficar a semana em casa para evitar pegar o vírus Noniocus-04. Afinal, esse é o tempo de duração da síndrome de humorista do SBT.

A semana então passa. Flávio ficava preocupado com quem passasse à sua porta. Mas nada de ruim aconteceu. Após tudo aquilo, Flávio levanta e logo liga o noticiário para saber as novidades:

"Atenção! Parece que está à solta na cidade uma variante do vírus Noniocus-04, o vírus Noniocus-42, causador da síndrome de humorista do Multishow. Os sintomas dessa doença são parecidos com os da síndrome de humorista do SBT, a diferença é que o infectado começa a falar gritando, com um sotaque carioca muito forçado e rindo no meio da fala."

"Ai, Sandra, parece que esse pesadelo não vai acabar tão cedo". Disse Flávio, enquanto entrava na cozinha. Sandra olha para Flávio e responde gritando e forçando um sotaque carioca: "Eu, hein! Isso aí não é coisa de gente não!"

"Naaaaaaoo!"