Traição virtual‘
Pereira, um cidadão acima de qualquer suspeita, era muito considerado na comunidade. Chefe de família exemplar - mulher e dois filhos homens, adolescentes – funcionário graduado e muito conceituado de uma multinacional da soja, vivia na calmaria de uma cidade de porte médio no interior do estado. Entretanto ultimamente ele vinha atropelando uma aventurazinha, saindo às escondidas com uma colega de trabalho, sua secretária Maria Luiza. Ela era um piteuzinho para homem nenhum botar de feito. Chegada de São Paulo há poucos meses, vinte e dois aninhos, morena, carnuda, voluntariosa e cheia de amor a dar e muito carinhosa. Pereira, homem experiente, esforçava-se para não se apaixonar, pois afinal de contas ele tinha que resguardar o bom nome da família perante a comunidade e seu próprio nome perante a firma. Neste sentido a situação lhe era favorável, pois à família explicava que fazia horas-extras em horário noturno, ou mesmo sábados à tarde.
– É a safra, Malvina. Tá chegando muita soja aos armazéns – desculpava-se sempre que a mulher lhe indagava sobre suas saídas. E a aventurazinha continuava num mar de felicidade, até que aconteceu o imponderável.
Naquele sábado à tarde, após o almoço, onde ele, alegando fastio, beliscou algumas colheradas de arroz, um bifinho de filé e um suco de caju, pegou as chaves do Celta e já saia porta a fora dizendo que faria horas-extras, quando a mulher Malvina lhe avisou:
- Não esqueça de levar o celular, amor. Eu posso precisar de você.
Alguns minutos após, um Celta branco parado a uma quadra antes da casa da secretária, buzinava de leve e já surgia aquele objeto do pecado, com a maior discrição possível.
- Entra aí. Levanta o vidro. Espera um pouco que eu vou avisar Malvina que hoje as horas-extras vão ser prolongadas – disse Pereira, pegando o celular para transmitir o recado.
Dado o recado, a garota perguntou com vez dengosa:
- Onde é que a gente vai hoje? - e, ao responder que não havia um plano definido, Pereira recolocou o celular no console e começaram traçar o itinerário. Ele sugeria um novo motel recentemente inaugurado à saída da cidade, enquanto que a moça tinha outra opinião.
- Na chácara daquele teu amigo onde a gente foi sábado passado – sugeriu.
- No Alicio? Não dá, amor. Ele já voltou de São Paulo e deve estar com a família lá, passando o final de semana.
E eles estavam nestas trocas de opiniões, quando, em casa, Malvina lembrou-se recomendar ao marido que ao retornar, passasse no supermercado para comprar alguns itens que faltavam em casa. E quando pegou o telefone para fazer a ligação e levou o fone ao ouvido notou que linha estava ativa. Estranhou. Pareceu-lhe ouvir uma voz conhecida. E havia também uma voz feminina.
- O motel não fica muito longe, amor? - perguntava uma voz feminina
- Não, amor. Sabe aquela curva do rio? É logo depois. Você vai gostar. Tem colchão dágua. Hidromassagem. Espelho de teto. Tudo novinho em folha.
- Como é que tu sabes tudo isso. Já foste lá com tua mulher Malvina, por acaso? – riu-se Maria Luiza, fazendo beicinho de ciúme.
Pronto. Aí caiu a ficha. Malvina sentiu um calorão percorrer-lhe o corpo que começou na nuca e foi parar no sacro da espinha. Com os pensamentos a mil, ela continuou na escuta. “É o Pereira, este safado, com aquela sirigaita lá da firma” – pensava Malvina. “Bem que eu estava desconfiada com estes serões e horas-extras que o infeliz dizia fazer.” No entanto, recobrando a calma, deixou o fone fora do gancho, chamou os filhos e vizinhos mais próximos e formaram um comitê em torno do telefone. Cada um ouvindo um pouco do desenrolar do romance de Pereira com sua secretária, através do celular, que ele, em sua afobação esquecera-se de desligar quando falara com a esposa.
A partir daí, o comitê bisbilhoteiro continuou acompanhando a ação à distância. Um trajeto, em que se ouvia mais o ruído do motor do Celta, a chegada ao motel, o celular saindo do carro para ir parar em cima do criado mudo, as juras de amor, sons difusos, ganidos, gemidos, ais dengosos. E uma voz feminina: - Dá mais, amor... mais, amor, não pára. E gritos, roncos e bufidos. Tudo isso através do celular que fora levado ao apartamento do motel sem ser desligado. Descuido do empolgado e distraído Pereira.
Em quanto isso o comitê deliberava. Os filhos adolescentes contemporizavam:
- Ora, mãe. É apenas uma aventurazinha do velho. Não tem nada de mal. Isso passa – argumentavam os dois filhos fazendo coro.
Porém Malvina, pensava diferente.
- Deixem comigo que eu resolvo de meu jeito. Não se metam – e os filhos notaram que a mãe espumava de raiva.
Ao se aproximar a noite, Malvina liberou os filhos a irem ao clube jogar bola. Ela queria estar sozinha quando o “conquistador” retornasse a casa.
Não demorou muito, um ruído de carro chegando, barulho no portão e Malvina, mãos na cintura montando guarda à porta. E no cinturão o revolver 38.
- Oi amor. Hoje demorei um pouco mais? Tem alguma coisa para lanchar, aí? – foi se desculpando o marido gavião. E não pode dizer mais nada. Pois neste momento Malvina arranca o 38 do coldre e dispara, um, dois, três tiros, mirando ao chão e aos pé do marido que, surpreso, a cada tiro, pulava como se ensaiasse a dança de São Vito ou uma chula, sem a lança, tentando livrar-se dos balaços que ricocheteavam no piso de cimento.
- Pára mulher! Estás louca?
- Pára nada, seu safado. Tasca fora antes que eu resolva lhe atirar na cara. Nesta casa você não entra mais.
E continuou disparando enquanto havia bala no tambor, mirando o chão, obrigando o marido dar meia volta e sumir, a pé, numa esquina próxima.
Mais calma, com a raiva aliviada e a alma lavada, Malvina foi até o carro, pegou o celular do marido, levantou-o no ar, mirou-o com atenção e depois o beijou.
- Obrigado meu amigo.
*****************************************************
Claro está que com aquela encenação toda, Malvina estava só querendo dar uma lição no marido metido a lobo do cerrado, e ao mesmo tempo demonstrar-lhe que dali para frente não admitiria brincadeiras de mau gosto, como esta, de marido metido a conquistador. E um recado explícito: “Se você não está satisfeito com o que tem em casa, procura outra, mas não tente me enganar.”
E Pereira, depois de amargar um mês de hospedagem num hotel da cidade, despediu a secretária, alegando medida de economia, e convocou os filhos para uma mesa redonda. E através da intervenção destes, passados mais uns dias, Pereira retornava a casa, cabisbaixo, jururú, feito cachorro que roubou linguiça, com a cola no meio das pernas. E a santa paz, para todo sempre, retornou ao lar dos Pereiras. Outro dia ele perguntava à mulher, meio encabulado:
- Malvina, você viu onde foi parar meu celular?
E a mulher, cheia de si, demonstrando que havia se adonado da sistuação, respondeu:
- Arranja outro para ti. Aquele eu guardei no meu oratório, como recordação.
Pereira, um cidadão acima de qualquer suspeita, era muito considerado na comunidade. Chefe de família exemplar - mulher e dois filhos homens, adolescentes – funcionário graduado e muito conceituado de uma multinacional da soja, vivia na calmaria de uma cidade de porte médio no interior do estado. Entretanto ultimamente ele vinha atropelando uma aventurazinha, saindo às escondidas com uma colega de trabalho, sua secretária Maria Luiza. Ela era um piteuzinho para homem nenhum botar de feito. Chegada de São Paulo há poucos meses, vinte e dois aninhos, morena, carnuda, voluntariosa e cheia de amor a dar e muito carinhosa. Pereira, homem experiente, esforçava-se para não se apaixonar, pois afinal de contas ele tinha que resguardar o bom nome da família perante a comunidade e seu próprio nome perante a firma. Neste sentido a situação lhe era favorável, pois à família explicava que fazia horas-extras em horário noturno, ou mesmo sábados à tarde.
– É a safra, Malvina. Tá chegando muita soja aos armazéns – desculpava-se sempre que a mulher lhe indagava sobre suas saídas. E a aventurazinha continuava num mar de felicidade, até que aconteceu o imponderável.
Naquele sábado à tarde, após o almoço, onde ele, alegando fastio, beliscou algumas colheradas de arroz, um bifinho de filé e um suco de caju, pegou as chaves do Celta e já saia porta a fora dizendo que faria horas-extras, quando a mulher Malvina lhe avisou:
- Não esqueça de levar o celular, amor. Eu posso precisar de você.
Alguns minutos após, um Celta branco parado a uma quadra antes da casa da secretária, buzinava de leve e já surgia aquele objeto do pecado, com a maior discrição possível.
- Entra aí. Levanta o vidro. Espera um pouco que eu vou avisar Malvina que hoje as horas-extras vão ser prolongadas – disse Pereira, pegando o celular para transmitir o recado.
Dado o recado, a garota perguntou com vez dengosa:
- Onde é que a gente vai hoje? - e, ao responder que não havia um plano definido, Pereira recolocou o celular no console e começaram traçar o itinerário. Ele sugeria um novo motel recentemente inaugurado à saída da cidade, enquanto que a moça tinha outra opinião.
- Na chácara daquele teu amigo onde a gente foi sábado passado – sugeriu.
- No Alicio? Não dá, amor. Ele já voltou de São Paulo e deve estar com a família lá, passando o final de semana.
E eles estavam nestas trocas de opiniões, quando, em casa, Malvina lembrou-se recomendar ao marido que ao retornar, passasse no supermercado para comprar alguns itens que faltavam em casa. E quando pegou o telefone para fazer a ligação e levou o fone ao ouvido notou que linha estava ativa. Estranhou. Pareceu-lhe ouvir uma voz conhecida. E havia também uma voz feminina.
- O motel não fica muito longe, amor? - perguntava uma voz feminina
- Não, amor. Sabe aquela curva do rio? É logo depois. Você vai gostar. Tem colchão dágua. Hidromassagem. Espelho de teto. Tudo novinho em folha.
- Como é que tu sabes tudo isso. Já foste lá com tua mulher Malvina, por acaso? – riu-se Maria Luiza, fazendo beicinho de ciúme.
Pronto. Aí caiu a ficha. Malvina sentiu um calorão percorrer-lhe o corpo que começou na nuca e foi parar no sacro da espinha. Com os pensamentos a mil, ela continuou na escuta. “É o Pereira, este safado, com aquela sirigaita lá da firma” – pensava Malvina. “Bem que eu estava desconfiada com estes serões e horas-extras que o infeliz dizia fazer.” No entanto, recobrando a calma, deixou o fone fora do gancho, chamou os filhos e vizinhos mais próximos e formaram um comitê em torno do telefone. Cada um ouvindo um pouco do desenrolar do romance de Pereira com sua secretária, através do celular, que ele, em sua afobação esquecera-se de desligar quando falara com a esposa.
A partir daí, o comitê bisbilhoteiro continuou acompanhando a ação à distância. Um trajeto, em que se ouvia mais o ruído do motor do Celta, a chegada ao motel, o celular saindo do carro para ir parar em cima do criado mudo, as juras de amor, sons difusos, ganidos, gemidos, ais dengosos. E uma voz feminina: - Dá mais, amor... mais, amor, não pára. E gritos, roncos e bufidos. Tudo isso através do celular que fora levado ao apartamento do motel sem ser desligado. Descuido do empolgado e distraído Pereira.
Em quanto isso o comitê deliberava. Os filhos adolescentes contemporizavam:
- Ora, mãe. É apenas uma aventurazinha do velho. Não tem nada de mal. Isso passa – argumentavam os dois filhos fazendo coro.
Porém Malvina, pensava diferente.
- Deixem comigo que eu resolvo de meu jeito. Não se metam – e os filhos notaram que a mãe espumava de raiva.
Ao se aproximar a noite, Malvina liberou os filhos a irem ao clube jogar bola. Ela queria estar sozinha quando o “conquistador” retornasse a casa.
Não demorou muito, um ruído de carro chegando, barulho no portão e Malvina, mãos na cintura montando guarda à porta. E no cinturão o revolver 38.
- Oi amor. Hoje demorei um pouco mais? Tem alguma coisa para lanchar, aí? – foi se desculpando o marido gavião. E não pode dizer mais nada. Pois neste momento Malvina arranca o 38 do coldre e dispara, um, dois, três tiros, mirando ao chão e aos pé do marido que, surpreso, a cada tiro, pulava como se ensaiasse a dança de São Vito ou uma chula, sem a lança, tentando livrar-se dos balaços que ricocheteavam no piso de cimento.
- Pára mulher! Estás louca?
- Pára nada, seu safado. Tasca fora antes que eu resolva lhe atirar na cara. Nesta casa você não entra mais.
E continuou disparando enquanto havia bala no tambor, mirando o chão, obrigando o marido dar meia volta e sumir, a pé, numa esquina próxima.
Mais calma, com a raiva aliviada e a alma lavada, Malvina foi até o carro, pegou o celular do marido, levantou-o no ar, mirou-o com atenção e depois o beijou.
- Obrigado meu amigo.
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Claro está que com aquela encenação toda, Malvina estava só querendo dar uma lição no marido metido a lobo do cerrado, e ao mesmo tempo demonstrar-lhe que dali para frente não admitiria brincadeiras de mau gosto, como esta, de marido metido a conquistador. E um recado explícito: “Se você não está satisfeito com o que tem em casa, procura outra, mas não tente me enganar.”
E Pereira, depois de amargar um mês de hospedagem num hotel da cidade, despediu a secretária, alegando medida de economia, e convocou os filhos para uma mesa redonda. E através da intervenção destes, passados mais uns dias, Pereira retornava a casa, cabisbaixo, jururú, feito cachorro que roubou linguiça, com a cola no meio das pernas. E a santa paz, para todo sempre, retornou ao lar dos Pereiras. Outro dia ele perguntava à mulher, meio encabulado:
- Malvina, você viu onde foi parar meu celular?
E a mulher, cheia de si, demonstrando que havia se adonado da sistuação, respondeu:
- Arranja outro para ti. Aquele eu guardei no meu oratório, como recordação.