Focando no humor
I
Perdoe-me, minha senhora,
mas mesmo não sendo má gente
posso ser inconveniente
ou confundir-me em má hora.
Peço, pois, que fique claro
que tão claro não me comunico
e que às vezes só complico
algo que já era ignaro.
É que o jeito com que me apresento
costuma ser de fora para dentro
ou ao contrário do que deveria.
Minha mente é verdadeira
quando diz não ser encrenqueira,
mas encrencada ventania.
II
Como ondas de mar aberto,
às vezes me sinto manso,
mas ora tamanho é o balanço
que não quero ninguém perto.
Meu humor, como o meu foco,
varia constantemente
e é sempre um enorme sufoco
a mínima tarefa à frente.
Como dois e dois são seis
- e é disso que estou falando
quando já não sei se é quando –
eu confesso: não sou santo
e aquieto-me no meu canto
quando me emburro outra vez.
III
Por isso há de enxergar,
meu mais íntimo amigo,
que quando se está comigo
às vezes não se pode falar
que o som me atrapalha
pelo tom que as palavras sopram:
como um vento em má hora, tocam
estridente cantar de gralha,
mesmo que a gralha não exista
diante de meus ouvidos
que, sentindo-se confundidos,
só pedem que não se insista
em se querer que eu explique
o que tanto há que complique,
IV
mesmo porque já cansado
estou de ter explicado:
às vezes eu me confundo
por não saber quão profundo
é meu ser, ou o quão raso
se faz meu entendimento
em determinados momentos
em que me adianto ou atraso.
Cada um é cada um
e cada qual de cada jeito,
por isso reafirmo que ajeito
como posso a minha estrada,
e se nada com nada é nada,
um mais um é mais que nenhum.
V
Se pra mim é complicado
refletir sobre minhas reflexões,
em infinitas flexões
verbalizo, quando incomodado.
Sinto muita necessidade
de brincar com as palavras
para manter sã minha lavra
e bem longe a ansiedade.
É difícil eu ter confiança,
e isso vem desde criança
pois o ditado já dizia
que o pobre gato escaldado
vive longe do telhado
onde jogam água fria.
VI
Sobre mim, também é preciso
que se saiba prontamente
que às vezes fico indeciso
entre ser fraco ou valente,
entre calar-me ou me fazer presente,
entre rir ou não me mover
entre me irritar ou espairecer
entre explodir ou ser paciente,
porque cada experiência
boa ou má que aconteça
mexe tanto com minha cabeça
que meu peito quase trinca
enquanto a mente é que brinca
com a própria consciência.
VII
Mas não se preocupem, que isso
não me transforma em ouriço
nem em ser de má essência,
só preciso de paciência,
até porque o mais certo
que estou sempre a verificar
é que também me ponho a errar
com gente ou sem gente perto.
Tenho assim, ultimamente,
procurado dar mais valor
às coisas que realmente
fazem bem ao meu humor,
pois humor em humano amor
faz-se forma diferente.