Uma história de Paul Auster
Retirada de seu livro Viagens ao Scriptorium, editora Companhia das Letras, 2007. Nesse volume acompanhamos a história de Mr. Blank, um velho desmemoriado encerrado num quarto (numa situação que lembra uma narrativa kafkaniana) enquanto procura juntar os cacos de suas lembranças e descobrir o que faz naquele lugar. Ele não sabe, mas há uma câmera localizada no teto que o observa o tempo todo enquanto ele recebe vários visitantes que parecem fazer com que mais ele esteja enclausurado num hospital ou sanatório do que numa prisão. De um modo ou de outro todos eles têm algo a ver com o passado de Mr. Blank e alguns estão ali para acertar contas, por ter ele mandado muita gente em missões perigosas ao exterior. Através desse personagem enigmático, Auster explora a metalinguagem e nos conduz pelos labirintos da memória, identidade e linguagem. Mas o livro também tem um momento de relax, em que o autor nos conta a seguinte história:
"Um sujeito entra num bar em Chicago, às cinco da tarde, e pede três uísques. Não um depois do outro, e sim os três de uma vez. O barman fica meio intrigado com esse pedido inusitado, mas não abre a boca e serve o que o homem pediu — três uísques alinhados no balcão, um do lado do outro. O sujeito toma todos eles, um por um, paga a conta e vai embora. No dia seguinte, lá está ele de novo, às cinco da tarde, e pede a mesma coisa. Três uísques de uma vez. E no dia seguinte, e todo dia durante duas semanas. Por fim, a curiosidade leva a melhor sobre o barman. Não é minha intenção bisbilhotar, diz ele, mas o senhor vem aqui todo dia, já faz duas semanas, e sempre pede seus três uísques, e eu só queria saber por quê. A maior parte das pessoas pede um de cada vez. Ah, diz o sujeito, a resposta é muito simples. Eu tenho dois irmãos. Um mora em Nova York, o outro em San Francisco, e nós três somos muito chegados. Como forma de honrar nossa amizade, sempre vamos a um bar, às cinco da tarde, pedimos três uísques e em silêncio brindamos à saúde uns dos outros, fingindo que estamos todos juntos no mesmo lugar. O barman meneia a cabeça, entendendo finalmente o motivo do estranho ritual, e esquece o assunto. O sujeito continua a aparecer no bar por mais quatro meses. Chega todo dia às cinco da tarde, e o barman lhe serve os três drinques. Até que acontece algo. O homem aparece uma tarde, no horário habitual, mas dessa vez pede só dois uísques. O barman fica preocupado e, tomando coragem, resolve dizer: Não é minha intenção bisbilhotar, mas todo dia, durante os últimos quatro meses e meio, o senhor veio aqui e pediu três uísques. Agora pediu dois. Sei que não é da minha conta, mas espero que não tenha acontecido nada com sua família. Não aconteceu nada, não, diz o sujeito, muito animado e alegre como sempre. Então o que foi?, pergunta o barman. A resposta é muito simples, diz o homem. Eu parei de beber."
Aplausos para Paul Auster!