A Teoria do Nariz (À moda de Machado de Assis)

O nariz, ou naso, tão decantado nos mais variados textos, nem sempre de forma positiva. Aqui um lembrete; todos os tipos e tamanhos de narizes são bonitos, desde aquele mínimo, até os curvos, ou estilo Pinóquio. Os tempos atuais são cheios de gente sensível, mas chamo a atenção para minha origem italiana, a qual proporciona alguns narizes avantajados, como o meu. Guardemos o sentido mais amplo deste escrito, não se limitando à galhofa ou ironia mais rasa. Vamos ao texto, então:

Era um país, como outros, não muito grande em extensão, mas que possuía, como não poderia deixar de ser, gente de de todo o tipo e com todos os matizes de narizes, desde o miudinho, passando pelo tipo batata,pelo arrebitado ou aquele curvo como um punhal.

Todos viviam relativamente felizes, se podemos chamar de feliz alguém que vende o almoço para comprar o jantar, mas o pessoal vivia como podia.

Um dia, chega àquelas paragens um renomado cirurgião plástico, o Dr. Gray. Sem muito alarde, monta seu consultório num lugar chique, como não poderia deixar de ser, mas de jeito nenhum suas operações eram privilégio da classe abastada; nesse país tinha gente que deixava de comer para viver na estica ou pelo menos aparentar tal.

Seu estilo de plástica era sempre o mesmo ( não sei qual a inspiração que serviu de modelo, se os moais da Ilha da Páscoa, pois algumas mulheres ficaram com essa cara mesmo, mas também homens mais vaidosos, todos ficavam com aquele nariz fino e comprido).

Ao tirar as bandagens, e mostrar o espelho, Dr. Gray era hábil na lábia e nos elogios : "como está linda; parece um(a) deusa (deus) grega (grego) ! E eles acreditavam! Que capacidade de persuasão! Pois às vezes a coisa parecia com um bico de periquito.

Mas, ah... a vaidade humana! O dito cujo virou moda entre os abastados e os menos que gastavam o que não tinham para parecer mais bonitos. Beleza...algo tão discutível que mereceria uma tese de pós-graduação; não vamos entrar em chavões, como "é para quem vê" ou "não se põe à mesa", pois ao acionar o botão da vaidade, o ser humano faz de tudo para parecer mais agradável aos olhos alheios, na sua opinião, é claro. Não são citados aqui todos aqueles que sofrem tristes acidentes e que merecem uma bem feita cirurgia para tornar o rosto mais favorável a uma vida tranquila e normal.

O renomado cirurgião aparecia em todas as revistas especializadas do país e na tv ou redes ( lembremos que era um país pequeno e modesto). Mas...à parte isso, surgiu outra consequência, não se sabe se fantasiosa ou psicológica, da imaginação ou algo fisiológico mesmo. Todos os indivíduos que se submeteram à dita cirurgia, ficaram com a personalidade parecida com a da moça que fazia a propaganda na TV, e que tinha um nariz afilado, como o de todos os operados. Começou a se tornar uma paranoia; aquele de nariz arrebitado ou mesmo de batata ou ainda o parecido como uma foice, fosse homem ou mulher, ficava com a personalidade meiga e persuasiva da moça da tv.

Aí surgiram teorias, como a de que o cirurgião colocara algum remédio milagroso na água que servia ou que era pura mágica ou autossugestão. Debates apareciam na tv, alguns acalorados: "é uma afronta à sociedade; merece investigação"- falava um homenzarrão, mas que , operado o nariz, assumia a personalidade da jovem maviosa da propaganda.

"É mesmo!"- essa era outra jovem , com o mesmo nariz e voz.

Na universidade surgiu a "Teoria do Nariz", pela qual explicava-se tal comportamento num misto de autossugestão com misticismo e uma espécie de transe ou inconsciente coletivo. Mas o povo não acreditava. Uma multidão se reuniu na porta do consultório luxuoso e queria quebrá-lo, junto com o dito cujo, responsável pela histeria coletiva. Boa parte dos quais com aquele nariz e aquela voz. Uma tropa de choque foi chamada, com alguns policiais brutamontes com aquele nariz também... e ...quase tudo foi abaixo.

Tudo terminou com o Tribunal Superior julgando a questão e obrigando o cirurgião a devolver o dinheiro e restaurar os antigos rostos, com narizes aduncos, afilados, de batata, aquilinos. Muitos voltaram ao que eram dantes, outros não, o que deu oportunidade a inúmeros profissionais de psicoterapia, pois outro efeito era "meter o nariz onde não era chamado", como diz o ditado. Ah...a vaidade humana!