Se piange se ridi
Trechos de O riso – Ensaio sobre a significação do cômico, do filósofo francês Henri Bergson (1859-1941), onde encontramos os seguintes diálogos, extraídos da peça de Theodore Barriere, Les Faux Bonshommes (algo como Os Caras Falsos), que foi levada à cena pela primeira vez em Paris, 1856:
Mãe e filho conversam. Ela o aconselha: “Meu amigo, a Bolsa é um jogo perigoso. Ganha-se num dia e perde-se no seguinte.” O rapaz retruca: “Pois bem, só jogarei de dois em dois dias."
Em seguida temos o edificante colóquio entre dois financistas. Pergunta um deles, parecendo preocupado: “Será honesto o que estamos fazendo? Afinal, temos no bolso o dinheiro desses infelizes acionistas..." E o outro, pragmático: "E onde você queria que o tivéssemos?" Pois é...
Uma coisa leva a outra e então me lembrei de um filme clássico do cineasta Michelangelo Antonioni, O Eclipse, de 1961, em que alguns personagens têm ligação com o mercado financeiro italiano. No início do filme temos várias cenas de tédio e incomunicabilidade entre Vittoria (Monica Vitti) uma entediada ricaça, e seu amante Riccardo (Francisco Rabal). Mais tarde elas darão lugar a cenas de intensa comunicação entre os operadores da Bolsa de Valores no meio do aparente caos de um pregão daqueles tempos, gerando um contraste para ficar para sempre na memória.
Depois de separada do amante, Vittoria se envolve com o personagem de Alain Delon, que interpreta Piero, um sedutor e materialista corretor da Bolsa. Mas ele não se interessa tanto assim por ela, por ter uma personalidade volúvel (como o sobe e desce das ações) e não deseja um relacionamento sólido. Lá pelas tantas, caminhando para o final, há uma cena entre Piero e Vittoria, passada na própria Bolsa, quando ocorre o eclipse quase total dos valores que os acionistas aplicaram em certos papéis, agora muito desvalorizados. E daí vem a revolta e o choro, mas é leite derramado, não há o que fazer.
Então, quando Vittoria pergunta a Piero para onde foram os bilhões de liras (moeda italiana anterior à criação do euro) que os acionistas perderam com a derrocada dos papeis, ele lhe responde que aqueles bilhões não foram para lado nenhum. Ela insiste, diz que se alguém perdeu então alguém lucrou: para ela é impossível que isso seja diferente (para nós também, não?). E Piero retruca: "Não é tão simples assim." E não é mesmo.
Da mesma forma que aplicar e ganhar dinheiro na bolsa, ou em criptomoedas hoje em dia, não é simples – não acredite no famoso ditado “compre na baixa e venda na alta”, que isso nem sempre funciona a contento -, nenhum filme de Antonioni parece ser simples, nem é. Com ele não tinha essa história de infeliz no jogo feliz no amor, nada disso. Mesmo assim é muito prazeroso ver seus filmes mais antigos. E refletir com eles, ou rir com as anedotas citadas por Bergson. Conviver com autores inteligentes melhora não apenas nosso dia, também nossa vida.