O peru de Natal
Era a véspera do Natal e a casa já se agitava para preparar mais a festa, como era tradição daquela família interiorana. Uma das primeiras providências era abater o peru para as criadas prepará-lo a tempo. E o encarregado, como sempre, não poderia ser outro: o Valdomiro. Empregado antigo na casa ele era considerado uma espécie de faz-tudo. Sangrar os leitões, puxar o pescoço das galinhas e degolar os patos, todas estas atividades que exigissem coragem, eram com ele mesmo. Passar a faca no pescoço do peru, então, podia deixar.
– Chamem o Valdomiro – comandou a Vindoca, a chefe da cozinha, no que foi apoiado pelas outras cridas que gritaram em coro:
– Valdomiro! O peru.
Alguns minutinhos após, lá ia Valdomiro rumo à encerra, onde seu velho conhecido, um peru gorgolejava estufando o papo, sem sequer imaginar seu cruel destino. O peru era o chefe do terreiro tão conhecido que ele havia posto até um nome próprio no bicho. Chamava-o de Fredo.
Numa sacola Valdomiro portava os apetrechos que as criadas lhe haviam preparado: uma faca bem amolada, uma cordinha para pendurar o bicho pelas pernas numa trave da encerra e... uma garrafa de cachaça. Pois, como todo mundo lá no interior sabe, para amaciar a carne de um peru velho, nada melhor que dar-lhe, goela a baixo – pois peru não é disso – uns bons trago de cachaça antes de abatê-lo.
Passados alguns minutos, que as criadas julgavam ser tempo mais do que suficiente para a conclusão do serviço, e nada de o Valdomiro aparecer com o bicho morto. Desconfiadas, foram averiguar quais seriam os motivos daquela demora, pois elas tinham pela frente a tarefa de depenar, eviscerar, enfim, preparar o peru e pô-lo a marinar no tempero caseiro no tempo certo.
Lá chegadas, o quadro que encontraram não poderia ser mais hilariante: Sentado num cepo, Valdomiro, com o peru no colo. E tanto um como outro bêbados que não podiam nem se lamber. A garrafa vazia jogada ao lado e Valdomiro segurando o peru pelo pescoço, rindo e chorando ao mesmo tempo, enrolava a língua e com voz pastosa falava:
– Meu amigo, me perdoa. Eu não queria fazer isso contigo. Não tive coragem
Ao ver aquele quadro, a Vindoca o interpelou:
– Mas, o que vem a ser isso, criatura? Tu não vais matar esse peru hoje? Avia-te homem. Nós temos mais o que fazer. Deixa de brincadeira.
O pretenso algoz, depois de dirigir um olhar baço, semicerrando os olhos, às criadas, desandou numa num riso frouxo que aos poucos foi se transformando num choro sentido. E depois de enxugar a baba tentou explicar:
– Ô...Vindoca, Vindoquinha. Não tive coragem. Pra isso bebi um pouquinho... depois mais um trago pra criar coragem... e mais um trago... mas a coragem não veio... agora acho que quem vai ter que matar o Fredo... são vocês... pois eu...eu...não. E ao tentar levantar-se e sair andando, rodopiou e estatelou-se ao comprido no chão. Com isso o peru, chamado Fredo, escapou e saiu feito barata tonta, para ir cair de asas abertas, pescoço espichado, bico aberto, tão bêbado quanto seu algoz, a alguns passos das criadas, que nestas alturas não tiveram alternativa senão encerrar aquele episódio com um coro sincopado de risadas.