Tempos modernos
Outro dia, num encontro de pais na escola, eu conversava com o doutor Marcelo, avô do colega do meu filho mais novo, que era um tanto mais velho do que eu. Não meu filho, mas o médico, bem entendido.
Ele me dizia então que no seu tempo de criança um garoto que desmontasse um relógio e conseguisse montá-lo novamente em seguida e fazê-lo funcionar com a hora certa era considerado um prodígio. Hoje as crianças desmontam celulares, tablets e computadores, mas são todas consideradas normais, até demais. Eu não achava isso um pouco estranho?
Sim, achava, respondi concordando com ele, e continuei: porém, peça a um deles para compor uma sinfonia como Mozart fez aos cinco anos, ao escrever um concerto para cravo, Minueto e Trio em Sol Maior, que a coisa mudaria completamente de figura. Meu garoto mais velho não aprecia música erudita de modo algum, mas faz uma barulheira infernal tocando bateria.
Ah, meu neto é muito pior, me disse ele, não tem pendor musical algum: não toca bateria, violão, berimbau, nada, mas outro dia peguei ele no banheiro tocando outra coisa...
Rapidamente, em cima eu falei: Ah, doutor Marcelo, nem precisa dizer o nome do instrumento que ele tocava...
Não, não! Não é o que você está pensando. Peguei o delinquente tocando fogo no papel higiênico onde tinha limpado a bunda, misturado com um líquido inflamável e estava filmando tudo no celular para colocar na internet depois: disse que era um novo desafio que estavam disputando, os amigos dele, quero dizer. Senti cheiro de coisa queimada, fumaça, ordenei que abrisse a porta do banheiro imediatamente e fiz com que parasse com aquela experiência maluca, não fosse incendiar a casa e...
Respeitosamente cortei a explicação dele e falei que seria melhor se o delinquente estivesse descabelando o palhaço, tocando o berimbilau dele mesmo, isso sim, e não queimando merda, mesmo porque a porra da sujeira seria bem menor e menos perigosa, não?
Então ele me disse que descabelar o passaralho o garoto descabelava há tempos, que ele nem ligava mais, nem a filha dele, mãe do rapaz, porque apesar de ser uma coisa melequenta, era normal para sua idade e muito menos perigosa do que essas experiências da internet usando fogo e outras coisas inflamáveis.
De fato, concordei.
Depois pegamos nossos pequenos gênios (os irmãos menores dos nossos pulheteiros), nos despedimos, fui para casa pensando que eu precisava pesquisar sobre essa história do papel higiênico cagado e queimado, ficar atento para ver em que merda aquilo ia dar, porque jamais tinha ouvido falar dessa experiência e acho que nem meu filho mais velho, com quem, por precaução, não comentei nada em casa.
Afinal de contas, eu tinha de proteger minha família e não dar ideias malucas para os meninos, não é certo? Mas, pombas, tinha me esquecido de perguntar ao doutor Marcelo qual era o líquido inflamável que o neto dele havia usado para misturar na merda e no papel higiênico. Já pesquisei na internet mas até agora não descobri nada sobre o assunto, então estou ficando um pouco angustiado. Mais do que isso na verdade, estou curioso para fazer a experiência.
Mas não é por nada não. É para evitar que meus filhos façam isso, incendeiem o banheiro e a casa, além do que tenho espírito científico muito desenvolvido...