A DIVISÃO DAS ALMAS
DOIS AMIGOS RESOLVEM ROUBAR GOIABAS NO CEMITÉRIO.
JOCA – Tem certeza que é uma boa ideia, Cleitinho?
CLEITINHO – Deixa de ser cagão, Joca. O pé de goiaba tá carregadinho e não tem ninguém pra incomodar.
JOCA – Sei não... É que eu não gosto muito disso, sabe? Acho errado.
CLEITINHO – Mas tá perdendo goiaba, brother.
JOCA – Eu sei, mas não tô falando disso não. O que eu acho errado é entrar no cemitério... ainda mais a noite... (APARECE OS DOIS NA ENTRADA DE UM CEMITÉRIO) Acho que é pecado.
CLEITINHO – Pecado é deixar apodrecer as frutas. Vai, me ajuda a subir. Depois é só descer pelos galhos da árvore.
(TAKES MOSTRAM OS DOIS SE AJUDANDO PARA PULAR O MURO, APARECEM DUAS GOIABAS CAINDO PARA O LADO DE FORA DO CEMITÉRIO, ONDE OS DOIS ESTAVAM. JÁ DO LADO DE DENTRO:)
CLEITINHO – Eita, caiu até lá fora, mas a gente pega quando sair.
JOCA – Anda logo então, esse lugar me dá arrepios...
CLEITINHO – Morto não faz mal pra ninguém não, Joca. Tem que ficar esperto é com os vivos...
(CENA DELES JUNTANDO AS FRUTAS, APARECE NA CALÇADA UM BÊBADO, QUE PODE OUVIR OS DOIS, QUANDO FICA NO MESMO LUGAR EM QUE PULARAM O MURO)
CLEITINHO – (pelo lado de dentro) Uma pra você... outra pra mim... Uma pra você... outra pra mim...
(O BÊBADO, FICANDO APAVORADO E VOLTA CORRENDO DE ONDE VEIO. APARECE NA FRENTE DA IGREJA, ONDE O PADRE ESTÁ TRANCANDO A PORTA PARA IR EMBORA)
BÊBADO – (apavorado) Padre Paulo, Padre Paulo...
PADRE – Calma, meu filho, calma... Que afobação é essa? Parece que viu assombração.
BÊBADO – Misericórdia, Padre... O senhor não vai acreditar. É o fim dos tempos. É o apocalipse.
PADRE – O que é isso? Do que está falando?
BÊBADO – Eles estão lá no cemitério, Padre...
PADRE – Quem está no cemitério? Os defuntos?
BÊBADO – Que defunto o quê! O diabo...
PADRE – Creio em Deus Pai! (faz o sinal da cruz) Que conversa é essa, criatura? Pelo jeito bebeu cachaça além da conta.
BÊBADO – É o diabo sim, Padre. Ele está dividindo as almas com Jesus lá no cemitério. Cada um fica com uma pra levar embora...
PADRE – Ave Maria... (se benze)
BÊBADO – Vem Padre, vem ver. Não é coisa da marvada pinga não, é verdade verdadeira...
(OS DOIS SAEM APRESSADOS. CHEGAM AO LOCAL, PÉ ANTE PÉ, E FICAM ESCUTANDO)
PADRE – Se for mais uma das suas presepadas, Zé Pinguinha, vai se ver comigo. Não quero lhe ver nem pintado de ouro na minha paróquia.
BÊBADO – (sussurrando) Shhhhh. Escuta, escuta...
(OS DOIS COLAM OS OUVIDOS AO MURO, OUVE-SE OS DOIS AMIGOS AINDA NA DIVISÃO DAS FRUTAS)
CLEITINHO – Mais uma pra mim... outra pra você...
PADRE – (sussurrando) E não é que é mesmo?!
BÊBADO – (sussurrando) Eu não falei? Eu não falei?
JOCA – (em off) Acabou?
CLEITINHO – (em off) Não, só faltam aquelas duas que estão lá fora...
PADRE E BÊBADO ARREGALAM OS OLHOS.
PADRE – Corre, disgrama! Corre que agora é nós.
BÊBADO – Eita, lascou! Valha-me Deus...
SAEM CORRENDO, DESESPERADOS, CADA UM PARA UM LADO.