GREVE DE FOME
Lia a enfermeira da Clínica psiquiátrica, entrou desolada no consultório do médico e disse:
- Doutor, tá brabo. O novato do quarto número cinco, aquele que é mineiro, não quer comer de novo.
- Puxa, esse rapaz é complicado. Tive que interná-lo, pois sofre de anorexia e distúrbios traumáticos ligados à música. É um cantor que não deu certo e sua frustração acarretou distúrbios maníaco-depressivos. Tem crises de anorexia com oscilações e ataques de bulimia. Eventualmente precisa de estímulos para controlar a alimentação. Entrou em crise de novo? Você insistiu com ele?
- Sim, doutor. Ele disse que se alimenta de música, que quer ouvir música.
- Pois deixe-o ouvir. Quem sabe ele se acalma e come.
- Eu já deixei, doutor. Já levei pra ele.
- O que?
- Um CD do Roberto Carlos. Ele ouviu tudo e nada. Não comeu nem uma ervilha.
- Pois leve outro.
- Já levei. Caetano Veloso e Gilberto Gil. E nada!
- Sei lá... Leve outro gênero de música.
Ela tenta os sertanejos. Alguns pagodeiros e os sambistas. Nada! Tenta o Rock, o CD do Renato Russo e em vão.
- Não adiantou. Só se eu apelar pra hino de igreja.
- É isso! Leve hinos. Os católicos e os evangélicos. Qual a religião dele?
- Católico.
- Então, leve as Ave-Marias. As duas. A de Gounod e a de Schubert.
A enfermeira vai animada e volta desolada.
- Nada? – pergunta o médico.
- Nada. Êta mineiro tinhoso... Espere, estou tendo uma ideia e vou fazer a última tentativa.
Ela sai da sala e volta duas horas depois.
- Então?
- Doutor, ele comeu oito pratos de comida e ainda pediu mais.
- Mas enfermeira, o que foi que você fez? O que levou pra ele ouvir?
- Um CD do Alexandre Pires, quer dizer, do “Só pra Contrariar” e que diz assim:
- “O tempero, uai, é bom demais, quem comer se amarra!”.
Isaura B. Theodoro (janeiro/200l)