O SORVETEIRO INSANO

Naquela tarde, como de costume, para controlar sua pressão arterial e o peso, ele saiu para uma corrida vespertina. Após mais um dia de trabalho, tentava manter sua rotina de exercícios. Escolheu um lugar próximo de uma mata, embora houvesse uma avenida, o silêncio ainda era algo constante.

Tudo ia bem, ele já havia completado a meta, e agora fazia uma caminhada. Estava perdido nos pensamentos, quando ao longe ouviu aquela “cornetinha” dos “sorveteiros”, e num piscar de olhos viajou para uma cidade pequena do interior de São Paulo, onde passou a infância. Lembrou-se com carinho, que lá no passado, quando ouvia a “cornetinha” corria de encontro a mãe, para que a mesma financiasse um picolé de limão. Estava lá, nos meados dos anos 80, quando começou a retornar. O saudosismo deu lugar a uma sensação de “exagero”, pela quantidade de vezes que nosso figurante, a esta altura, postulante ao papel de vilão, apertava a distinta.

O pior, é que estavam caminhando na mesma direção, e nosso protagonista percebeu que o som se aproximava, lentamente, como na cena de “Alien, o oitavo passageiro”. Muito ligado a números, nosso herói começou mentalmente a organizar o comportamento, eram cinco “FONS” com intervalo de 8 segundos.

Um pouco mais acelerado, o “psicopata da buzina” se aproximava, mas não o ultrapassava. A cada “FOM”, o irritadíssimo herói, sentia-se como uma pilastra de concreto, ao ser atingida por uma marretada. Tomado de uma fúria, ele recorria aos inúmeros cursos, folhetos, livros que leu em sua existência, sobre paciência, tais como "SEICHO NO IE", Budismo, Reiki, Ioga, e por ai vai. Nada o trazia ao centro do equilíbrio. Entenda que o tempo que levei para descrever isso o “fanático da buzina” já havia acionado seu instrumento de discórdia, mais de uma dezena de vezes. Ele pensava que aquilo não era possível, imaginou que talvez houvesse um campeonato mundial de buzinadas sincronizadas com a presença de publico e prêmios milionários. Outra coisa da qual não se conformava, era que o lugar não era residencial, ninguém sairia do interior de sua casa, ao ouvir aquela “maldita buzina”, muito pelo contrário, a quilômetros aquele homem com seu chapéu de palha “quase um sombreiro”, empurrando um carrinho de um amarelo da gema de um “ovo caipira” seria visto. Até pensou que aquele ato de terrorismo contra a paz, fosse de “inclusão social” caso algum deficiente visual estivesse nas cercanias.

Nesta altura, se você perdeu seu tempo até aqui, quer saber como se deu o desfecho. Então, ao ser emparelhado pelo distinto, sentiu um frio na barriga,

e olhou de soslaio para seu algoz. Alguns segundos depois, foi abordado pela criatura, e para seu espanto, com um largo sorriso, perguntou- lhe educadamente, se gostaria de se deliciar com um picolé. Por alguns segundos, para nosso herói foram horas, já com a respiração alterada e com labaredas saindo dos olhos, fitou o “ensandecido Sorveteiro”, com a vontade de tomar-lhe a buzina e fazê-lo engoli-la. Subitamente, em meio a tensão e a raiva, percebeu que se tratava de um homem simples, com muitas marcas do tempo, olhos cansados, mas gentis, e neste instante, a bondade invadiu todo seu ser. Sorriu para homenzinho chapeludo, pediu um de limão, pagou e agradeceu. Nisso nosso ex-vilão, agora desmistificado, olhou-o, e como agradecimento, disse-lhe:

_ Sabe qual o meu segredo?

Apontou-lhe a buzina:

FOM FOM FOM FOM FOM.

PS. Fica aqui minha homenagem a estes incansáveis profissionais. 😊