Exatidão no diagnóstico
Dona Maurília era u'a mulher muito ciosa das excelências profissionais do Doutor Manfredo, seu marido de quase trinta e cinco anos. Sempre que possível , e às vezes até mesmo impossível, fazia questão de se jactar do fato de que Manfredo, o seu Fredo na intimidade, jamais havia errado um diagnóstico, a ponto de dispensar exames clínicos de seus pacientes, tal a sua acuidade observacional. E isso sem contar o sucesso inexcedível de suas palestras, e os diplomas e medalhas que ornavam paredes e armários de sala de visitas da elegante mansão onde residiam, na mais harmoniosa felicidade conjugal.
Numa determinada ocasião em que Dona Maurília recebia seletas amigas da sociedade para um refinado almoço, seu discurso sobre as virtudes do consorte apenas variou na tonalidade, ainda mais inflamada do que o habitual e o jargão ..."jamais errou um diagnóstico..." foi o tema mais recorrente...
Por coincidência, entre a experta e obsequiosa criadagem da casa, encontrava-se uma jovem aprendiz que fazia sua estreia no serviço. Moça do interior, um tanto tímida para os seu belos olhos, fazia o melhor de si para se ajustar aos rigorosos parâmetros laborais da patroa... Eulália era seu nome.
Uma vez servidos os aperitivos, sob o comando cativante e persuasivo de Dona Maurília, as convivas ocuparam os seus assentos em torno de uma ricamente ornada mesa de 24 lugares. Tudo perfeitamente sincronizado sob a batuta da anfitriã, que ainda continuava tecendo encomiásticos comentários sobre o grande Doutor Manfredo, que já havia sido referenciado como provável Ministro da Saúde.
Com o champanhe fluindo copiosamente, e as entradas sendo servidas às convivas, eis que Eulália aproxima-se da patroa, em repentino e convulsivo pranto... e a reação de Dona Maurília foi imediata, e quase maternal:
- O quê houve, minha filha, o quê houve...?
- Dona Maurília, Dona Maurília, a senhora me desculpe, mas estou me demitindo do trabalho agora...!
- Como assim, agora, senhorita, justamente em meio a uma função oficial e de forma tão atabalhoada, no meio de minhas diletas amigas...? Não consinto, não consinto...absolutamente, volte para o seu quarto imediatamente...! E já...!
- Não, não volto, com todo respeito, não volto. Ouvi bem o que a senhora disse e repetiu aqui várias vezes. E queria apenas uma confirmação derradeira: é mesmo verdade que o Dr Manfredo nunca errou num diagnóstico?
- Como ousa contestar-me com tamanho atrevimento, sua desavergonhada, a me faltar com respeito...? Chamando-me de mentirosa...? Não posso admitir jamais um tamanho desrespeito dentro de minha casa... e logo você que eu trouxe do interior para lhe dar a oportunidade de trabalho, de hospedagem, de estudos, de cidadania, e me vem com essa tamanha impertinência... perdeu, sabe, perdeu...recolha-se à sua insignificância...
- Mas Dona Maurília, para mim, agora, nada mais vale...pois estou desenganada...o Dr Manfredo ainda há pouco passou por mim na despensa e com uma simples apalpadela, já foi logo dizendo, com toda a certeza, que eu não passo de sábado...