Imagina mais quatro anos

– Como assim, o Guedes quer diminuir meu salário?

– Seu salário e sua aposentadoria.

– E ainda tem?

– Aposentadoria?

– É.

– Tem, ué!

– Mas e aquela reforma?

– Ah, sim!

– Pois é. Depois daquilo, acho que só aposento com cem anos. Tô nem pensando nisso, mais. Tô mais preocupada é com o salário mesmo. É sério? Vai diminuir?

– A longo prazo, sim.

– Ah! Então não é pra agora? Igual a aposentadoria?

– Vamos lá… Imagina que você recebe o salário mínimo…

– É, nunca! Já tinha pedido as contas.

– Ôxi! Achei que você trabalhava aqui por amor.

– E é. Amo ter dindin pra poder pagar minhas contas. Com o salário mínimo, não dá.

– Este também é um ponto, mas já chegamos lá. Não é que o salário será reduzido.

– Ufa!

– Ele só perderá poder de compra.

– Para, dona Zuleica! Não suporto essa gangorra de emoções!

– Então, se segura aí embaixo, porque agora, é só má notícia.

– Credo!

– Então? A lei determina que o salário mínimo seja reajustado pela inflação do ano anterior. Nos governos anteriores, além desse aumento obrigatório, ele sempre recebia um acréscimo, proporcional ao aumento do PIB. Só que, desde 2019, isso não aconteceu mais. Pior. Houve uma mudança no cálculo da inflação que mascarou o consumo das famílias. Por exemplo, a inflação de alimentos, que impacta mais a população de baixa renda, foi muito superior aos índices oficiais de inflação.

– Eita! Então, meu salário já diminuiu!?

– Exato. E tem mais. O governo estuda mudar essa lei, para que o reajuste seja feito pela meta de inflação e não mais pela inflação do ano anterior.

– E não é igual?

– Não. A meta de inflação está mais para “promessa de ano novo”.

– Vixe! Ninguém cumpre.

– Só uma vez na vida ela foi superior à inflação real. Pra ter uma ideia, se o governo tivesse implantado isso desde o início, o salário hoje seria 10% menor.

– Gente!

– E, não é só isso! Guedes também quer desvincular as aposentadorias do salário mínimo. Assim, se desobriga de reajustar o benefício, inclusive pela meta da inflação.

– Que horror! Vai matar o povo de fome.

– Foi o que fizeram no Chile. Substituíram a previdência social, pelo sistema de capitalização. Que não deu certo.

– E como é isso?

– Hoje, quem contribui com a sua aposentadoria é você, o patrão, no caso, euzinha, e o Estado. No sistema de capitalização, só o empregado contribui. O saldo no final é tão baixo, que muitos idosos estavam passando fome.

– Que horror!

– Tem mais um detalhe. Eles também estudam retirar, do imposto de renda, as deduções com saúde e educação.

– Aí, eu acho bom! Vai todo mundo pro SUS e pras escolas públicas. Vão ter que melhorar.

– Você acha, mesmo, que os serviços ´públicos vão melhorar se todo mundo passar a usar, de repente, sem planejamento, com a competência desse governo?

– Eita! Se já tem umas filas monstras…

– Pois é. Quem tem muita grana, vai conseguir se manter usando a rede privada. Mas a maior parte da classe média vai sobrecarregar os sistemas públicos e tudo vai piorar.

– Entendi.

– Medidas assim, podem não atingir você diretamente, mas atingem a toda a sociedade. Mesmo quem não tem o salário ajustado pelo mínimo pode ser prejudicado, pois com menos poder de compra da população em geral, empresas podem fechar, aumentando o desemprego, levando outras empresas a fechar, aumentando a pobreza e o desemprego, num ciclo vicioso que, em algum momento, vai respingar em você…

– Tá. Conseguiu me deprimir.

– Espera. Tem mais. O objetivo dessas medidas é pagar pela reeleição.

– Cruzes!

– Mas, vou tentar te animar. Poderia ser pior

– Como?

– Imagina mais quatro anos de Guedes.

– Vixe!


Texto publicado em minha coluna de hoje no Alô Brasília
https://alo.com.br/imagina-mais-quatro-anos/