PARA ENTENDER AS MULHERES

AI, ...QUE SAUDADES DA AMÉLIA

Ataulpho Alves/Mário Lago

Nunca vi fazer tanta exigência

Nem fazer o que você me faz

Você não sabe o que é consciência,

Nem vê que eu sou um pobre rapaz.

Você só pensa em luxo e riqueza

Tudo o que você vê, você quer

Ai, meu Deus, que saudades da Amélia

Aquilo sim é que era mulher

Às vezes passava fome ao meu lado

E achava bonito não ter o que comer

E quando me via contrariado

Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!"

Amélia não tinha a menor vaidade

Amélia é que era mulher de verdade.

A VOLTA DO BOÊMIO

Adelino Moreira

Boemia, aqui me tens de regresso

E suplicante te peço a minha nova inscrição.

Voltei pra rever os amigos que um dia

Eu deixei a chorar de alegria,

Me acompanha o meu violão.

Boemia, sabendo que andei distante,

Sei que essa gente falante vai agora ironizar:

Ele voltou! O boêmio voltou novamente.

Partiu daqui tão contente.

Por que razão quer voltar?

Acontece, que a mulher que floriu meu caminho

De ternura, meiguice e carinho,

Sendo a vida do meu coração,

Compreendeu e abraçou-me dizendo a sorrir:

Meu amor, você pode partir,

Não esqueça do seu violão.

Vá rever os seus rios, seus montes, cascatas.

Vá sonhar em novas serenatas

E abraçar seus amigos leais.

Vá embora, pois me resta o consolo e a alegria

De saber que depois da boemia

É de mim que você gosta mais.

COM AÇÚCAR, COM AFETO

Chico Buarque

Com açúcar, com afeto,

Fiz seu doce predileto

Pra você parar em casa

Qual o quê!

Com seu terno mais bonito,

Você sai,

Não acredito

Quando diz que não se atrasa!

Você diz que é operário,

Sai em busca do salário

Pra poder me sustentar.

Qual o quê!

No caminho da oficina

Há um bar em cada esquina

Pra você comemorar,

Sei lá o quê!

Sei que alguém vai sentar junto,

Você vai puxar assunto

Discutindo futebol

E ficar olhando as saias

De quem vive pelas praias

Coloridas pelo sol

Vem a noite, mais um copo

Sei que allegro ma non tropo

Você vai querer cantar

Na caixinha um novo amigo

Vai bater um samba antigo

Pra você rememorar.

Quando a noite enfim lhe cansa,

Você vem feito criança

Pra implorar o meu perdão.

Qual o quê!

Diz pra eu não ficar sentida,

Diz que vai mudar de vida

Pra agradar meu coração

E ao lhe ver assim cansado,

Maltrapilho e maltratado

Como vou me aborrecer?

Qual o quê!

Logo vou esquentar seu prato,

Dou um beijo em seu retrato

E abro meus braços

Pra você.

As letras acima são de famosos compositores de nossa música popular.

Tratam de mulheres totalmente dedicadas ao amor de seus companheiros. Em que elas se assemelham? No que se diferenciam? Existem no dia-a-dia ou são meras ficções dos poetas que lhes deram vida?

Durante muitos anos, “Ai, que saudades da Amélia” reinou absoluta como protótipo da mulher subserviente, criada pelo grande ator Mário Lago.

Depois foi a vez de “A volta do boêmio”, de Adelino Moreira, nascido no Porto, Portugal, mas que se radicou no Brasil. Nesta, a mulher tem de conviver com a boemia para garantir uma possível volta do amado.

Coube a Chico Buarque criar, através de “Com açúcar, com afeto”, a mulher acomodada, queixosa, mas que se derrete com a presença do amado, depois de mais um dia por ele dedicado a amigos e mulheres.

Vamos pinçar dos versos de cada um alguns trechos para estabelecer comparações.

Antes de mais n ada, cremos que somente Amélia era pobre. Teria ela morrido de fome ? “Amélia não tinha a menor vaidade; Amélia é que era mulher de verdade.” Será que Amélia cansou e largou o cara? Ou foi por ele abandonada e agora o cidadão, de novo amor, morre de saudades da antiga amante subserviente? Agora, aquela de: “Às vezes passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer” é terrível. Não sei como o Mário Lago escapou da fúria das mulheres da época.

A heroína de Adelino diz: “Meu amor, você pode partir, não esqueça o seu violão...”. Se não implorou para que ele ficasse é porque certamente tinha de onde tirar o sustento dos dois. de oferecer “ternura, meiguice e carinho” a mulher abriu mão do companheiro, concordando em ser a número 2: “Vá embora, pois me resta o consolo e a alegria, de saber que depois da boemia, é de mim que você gosta mais”

E a mulher de Chico? Se fazia o “doce predileto” e logo ia “esquentar seu prato”, é porque entrava algum dinheiro. Provavelmente do salário que o amado recebia nas vezes em que ia à oficina. Se havia “um bar em cada esquina pra você comemorar”, era mais dinheiro que saía das despesas do casal. Estranho que, ao final, ele tenha aparecido “maltrapilho e maltratado”, pois saiu de casa “com seu terno mais bonito”, mas “Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro os meus braços pra você” acabava com todas as queixas e tudo era esquecido e perdoado. “Quando a noite, enfim lhe cansa, você vem feito criança pra implorar o meu perdão”: para ela, o fim de noite era o momento de ter o companheiro só pra si. Momento de se empanturrar com migalhas de amor.

Difícil decidir quem chegou em segundo lugar neste torneio, já que o primeiro, com certeza, foi para Amélia, graças a essa “joia”: “Às vezes passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer”.

Elejo a companheira que abre mão em favor da boemia como segunda colocada, em “A volta do boêmio”: “Vá embora, ppois me resta o consolo e a alegria, de saber que depois da boemia, é de mim que você gosta mais”.

A “coitadinha queixosa” de “Com açúcar, com afeto” não fica muito longe. Basta lembrar: “Logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro os meus braços pra você.”

Não entro aqui em abordagens profundas de caráter psicológico. Provavelmente alguém se encarregará de fazê-lo, se é que já não o fez. Arrisco-me a dizer, entretanto, que a carência afetiva é a grande vilã das três letras. As mulheres se acomodam, compartilham e dividem, porque não suportariam perder, de vez, os seus amados.

Pra finalizar, conto aqui a história de um homem pobre que morava no Havaí, mas que sonhava em viver, com sua amada, em Nova York.

Caminhava ele por uma das maravilhosas praias de Honolulu, de madrugada, quando um de seus pés chutou um objeto duro. Abaixou-se e recolheu uma lâmpada, daquelas do formato da do Aladim. Olhou-a com descrença, pois jamais acreditara na existência de gênios e já ia atirá-la ao mar, quando, por estranho impulso, resolveu esfregá-la. Uma grossa fumaça saiu de dentro dela e se transformou em um gênio, daqueles com turbante e sandálias de bico virado para cima.

O homem ficou sem ação. O gênio, em tom ríspido e autoritário, foi logo pondo as cartas na mesa:

- Olhe aqui, rapaz. Não sou como aqueles gênios antigos que ofereciam três pedidos como recompensa pela libertação. Você tem direito a um só e faça logo.

- Mas seu gênio...Um só?

- Isso mesmo e trate de ser rápido, senão desapareço para sempre!

Após pensar alguns poucos segundos, o pobre homem respondeu:

- Olhe, seu gênio. O meu maior sonho é ir, por uma grande ponte, de Honolulu a Nova York. Tenho medo de andar de avião.

O gênio encarou o rapaz, amarrou ainda mais a cara e respondeu:

- Nem pensar. Vai ser uma trabalheira danada fazer os cálculos de tantos pilares para servirem de apoio à ponte dentro do mar; milhares de toneladas de cimento, ferro, asfalto, muretas de proteção. Esqueça essa ideia maluca. Tem direito a um outro pedido, já que esse é muito complicado.

O rapaz encarou o gênio e com toda seriedade falou:

- Eu tenho uma namorada. Cada dia ela me aparece com humores totalmente diferentes: ora está alegre e me enche de beijos e carinho, ora seu mau-humor me agride sem que eu tenha dado motivo para tal; ri quando falo de coisas tristes e chora amargurada se lhe falo de planos cheios de lindas expectativas. Meu pedido é que o senhor me faça compreender as mulheres.

- Meu querido amo. Que tal voltarmos ao seu pedido sobre aquela ponte de Honolulu a Nova York? Você quer ela seja de mão dupla ou pode ser de mão única?

Ruy Soares
Enviado por Ruy Soares em 27/06/2022
Reeditado em 15/08/2022
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