A NAMORADA
Ronaldo José de Almeida
Joãozinho Pé-sujo sempre foi muito observador e perspicaz, dotado de agudeza de espírito; as notícias, sendo elas boas ou ruins, era sempre ele que trazia. Quando a turma se encontrava reunida ao pé do cruzeiro, na porta da igreja, era sempre o Joãozinho Pé-sujo que tomava a palavra e passava a contar os “causos” lá da sua terra.
Certo dia, Joãozinho encontrava-se procurando sapatos para engraxar perto da casa de um senhor conhecido como “Cow-boy”- por andar sempre trajando botas altas, colete e chapéu de abas largas- quando avistou “seu” David, o proprietário do depósito de material de construção entrando sorrateiramente na casa de Lola, uma morena muito bonita de cabelos negros e longos, que despertava paixão na molecada.
Assim que “seu” David entrou na casa de Lola, Joãozinho Pé-sujo deu um altíssimo assobio com dois dedos escancarando a boca, no que foi imediatamente atendido por “Neném”, que se encontrava engraxando sapatos na outra esquina, e aproximou-se correndo.
- Que foi Pé? - Indagou Neném.
- Nem te conto cara, sabe quem tá aí dentro com a gostosa da Lola?
- Diga logo, Pé, quem é?
- Seu David, Neném, já pensou se dona Eva fica sabendo?
- E agora, Pé, cê vai contar pra ela?
- Claro que não, não ganho nada contando, vamos ficar aqui e esperar o malandro sair.
Quando o sol já se escondia, eis que seu David abre a porta acompanhado da bela morena de cabelos molhados denunciando o banho tomado, e sem nenhuma cerimônia trocam um longo beijo cinematográfico. Neste instante, ouve-se a voz sibilante de Joãozinho Pé-sujo.
- Bênção, “seu” David. Quer engraxar os sapatos?
Nem é preciso dizer que, ao ouvir seu nome, “seu” David quase desmaia, eis que ainda estava de olhos cerrados saboreando o beijo da morena.
-O que foi, Joãozinho? O que você quer aqui?
- Tô procurando sapatos pra engraxar, “seu” David, preciso de dinheiro.
- Não quero engraxar não, vá embora menino, chispa.
- Será que dona Eva não tem sapatos pra engraxar, “seu” David? - interrogou ironicamente o Pé-sujo.
- Percebendo a malícia e o perigo, “seu” David imediatamente preparou a estratégia.
- Olhe, garoto, passe lá em casa amanhã cedo que lhe darei uns pares para você engraxar, tá bem?
-Tudo bem, “seu” David - respondeu afirmativamente com aquele risinho sarcástico no canto da boca, seguido de um olhar vitorioso para Neném que, à pequena distância, a tudo observava.
No outro dia pela manhã, Joãozinho Pé-sujo e Neném foram à casa de seu David, em busca dos sapatos para engraxar. Na varanda da casa, “seu” David, dona Eva e seus dois filhos pequenos tomavam o café da manhã.
- Oi, Joãozinho, oi Neném, querem tomar café?
-Obrigado dona Eva, só viemos pegar os sapatos de “seu” David pra engraxar, né, seu David?--disse Neném.
- Ô xente! David só tem esta botina velha que está calçado, não tem sapatos pra engraxar não, meninos, né mesmo David? - indagou dona Eva com seu sotaque nordestino.
A esta altura “seu” David não sabia o que fazer para controlar a situação e, chamando disfarçadamente os meninos à distância, marcou de encontrá-los no boteco do Geremias, na esquina, em poucos minutos.
Logo após, “seu” David e os meninos estavam tomando refrigerantes e saboreando pedaços de bolo no boteco do Geremias.
O comerciante pagou tudo sem reclamar e já estava saindo, quando foi abordado por Joãozinho Pé-sujo:
- “Seu” David, amanhã é domingo e não temos dinheiro pra ir à matinê e, está passando um bang -bang do John Wayne, então...
- Já sei, já sei, tome o dinheiro, mas não me apareça mais, ouviu?
- Só se o senhor não for mais na casa da Lola, tá certo?
- Joãozinho, Joãozinho - repetiu o homem aos berros.
- Então até a semana que vem, "Seu" David.
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