Ele, Não

 

 

 

– Que horror esse seu presidente!!
– “Meu presidente”, não, que eu não votei nesse traste.
– Nem eu. Mas goste ou não, é seu e é meu presidente, Helena.
– Por pouco tempo.
– Tomara. E, se depender do zero dois, será mesmo.
– Ôxi! Tá constipado de novo?
– Não, Helena! Não é número dois. É zero dois, o filho dele, Carlos.
– Ah! Também, que ideia. Chamar o filho de zero dois!
– Pelo visto, faz jus ao apelido. Parece que foi ele que achou que mostrar o pai se lambuzando de farofa na feira ia passar a imagem de uma pessoa humilde, do povo.
– Povo!! Humpf! Eu sempre fui pobre e posso garantir: a gente não deixa nada cair do prato, primeiro porque tem pouco, não dá pra desperdiçar. Depois, porque sabe que não tem outro pra limpar.
– Exato! E fica difícil bancar o despojado no mesmo dia em que se revelou o gasto absurdo com o cartão corporativo… 
– Ah! Então tá explicado. Foi pra ficarem só falando disso e esquecerem o cartão.
– É uma possibilidade. Mas para todo lugar, estão falando das duas coisas, mostrando o paralelo entre elas.  O presidente que tenta se passar por humilde gastou mais de trinta milhões, em três anos. 
– E com o quê foi que o farofeiro gastou tanto dinheiro?
– Não dá para saber. Noventa por cento disso está sob sigilo.
– Mas não era ele que reclamava da falta de transparência do petê?
– Era.
– Bobo foi quem acreditou nessa conversa, né?
– Deve ser o mesmo bobo que vai achar que ele se identifica com o povo com esse teatrinho lamentável.
– Ninguém acredita que ele é humilde, todo mundo sabe que ele gosta do bem bom, dos passeios de iate, jet ski, da picanha de mil reais…
– Verdade! Certamente, faria melhor papel se demonstrasse empatia para com os vitimados pelas enchentes, pela pandemia, pelo desemprego, pela carestia.
– Ele tem a alma podre. Não sente dó, não.
– E, também, não pode, para não afastar os fascistinhas que compõem a base dele, essa gente que tem horror a pobre, que, se pudesse revogava a Lei Áurea.
– Bem-feito! Vai perder as eleições, porque nunca se interessou de verdade pelo país, pelo povo.
– É!  Talvez tivesse alguma chance, se governasse de verdade, se cuidasse do mercado e das pessoas, se buscasse reduzir as desigualdades sociais, viabilizar a educação de qualidade, o emprego, a saúde, para todos, não só para quem pode pagar… Se fosse mais humano, honesto… 
– Ou seja, daria pra votar nele…
– Se ele fosse outro.

 

 


Texto publicado na minha coluna semanal do jornal Alô Brasília

https://alo.com.br/ele-nao/

Ou veja uma versão um pouquinho menor na edição impressa:

alo.com.br/impresso/qui-03-02-2022/

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